Por apenas três dias – de sexta (19/8) a domingo (21/8) -, integrando a programação de reabertura do Teatro Dulcina, depois de reforma que reintegrou a tradicional casa de espetáculos aos melhores endereços teatrais do Rio, Fernanda Montenegro volta com o monólogo Viver Sem Tempos Mortos. Vale a pena revisitar esta montagem com uma Fernanda de posse de suas melhores qualidades, exercitadas com econômicos e amadurecidos meios expressivos.
Revisão Crítica/ Viver Sem Tempos Mortos
Os acasos da existência, a liberdade e a tessitura da convivência, o desejo e a razão, o passado da moça bem comportada, o sexo segundo as épocas, o tempo de uma vida, estão condensados em 60 minutos num depoimento sobre sentimentos e evocações de Simone de Beauvoir. Viver Sem Tempos Mortos é um solo de Fernanda Montenegro que marca encontro teatral com Simone de Beauvoir através da palavra, que despida de envólucros dramáticos, se apresenta na essencialidade dos sentidos, interpretada com o ascetismo da interioridade. Não há desperdícios em efeitos e áreas de escape, tanto para a atriz quanto para a platéia, que frente a frente, se enredam na exposição dos textos selecionados nos escritos da autora, compondo relato sem espaço para devaneios enganosos e baixas de guarda de si mesma. Uma vida, definitivamente, sem tempos mortos. Neste retrato falado, monólogo revelador da intensidade com que a palavra captura uma biografia, perpassam a origem burguesa de Simone, os seus encontros intelectuais e amorosos, o feminismo e o ambiente politico da ocupação da França, mas a voz que predomina é a que descreve a sua ligação, até depois da morte, com Jean-Paul Sartre. O texto, carregado de informações, procura ser digerível para qualquer público, em especial para aquele que desconhece Simone de Beauvoir, mas sem nenhuma pretensão didática ou de registro biográfico. A emoção, que se insinua por entre o despojamento confessional, se manifesta com sutileza na costura do roteiro, assinalando com inteligente contenção, o fulgor da escrita. A direção de Felipe Hirsch centraliza na atriz e apenas nela, o foco da montagem. Despido, sem adereços, com uma cadeira e iluminação fixa, o palco negro ambienta as palavras, da autora e da atriz, elas, sim, as personagens da encenação. Cada palavra ressoa com seu eco interior, em pausas e silêncios que contrabalançam as intensidades, sem o dramatismo de ênfases e a frieza da racionalidade. Não há tempos mortos, mas não há, igualmente, grandes momentos, apenas suave sussurro de teatralidade pulsante. Fernanda Montenegro, em instante algum, pretende “representar” Simone de Beauvoir, seja pela composição, seja por qualquer mimetismo visual. Simone se manifesta numa Fernanda economicamente emocional e francamente sincera, projetada numa atriz com domínio da artesania interpretativa e segurança sedimentada dos seus meios expressivos. Fernanda se esgueira pelos escaninhos das palavras, para trazer as suas sonoridades à cena, musicalizadas pelas entrelinhas da emoção. Conduzindo a platéia pela terna vertigem de uma vida, Fernanda Montenegro com minimalismo de recursos, reafirma a grandeza de uma carreira. Atuação irretocável e maduramente contemporânea.
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