terça-feira, 9 de agosto de 2011

Outros Palcos


Brasília

Realismo mágico ao lado do poder do cerrado
A atividade teatral na capital do país reflete bem a geografia cultural da cidade. Com o Plano Piloto com alto poder aquisitivo, o teatro nesta área – as cidades satélites gravitam em torno de suas próprias manifestações importadas das regiões de origem dos migrantes – se ressente da escassa memória coletiva da população de cidade de apenas 50 anos. Mas a atividade teatral em Brasília se mantém ativa, apesar dessas condicionantes tão ligadas à sua invenção urbanística quanto à proximidade do poder central e ao sentimento de transitoriedade que paira sobre os seus habitantes. Dois pólos de formação, a Fundação Brasileira de Teatro, levada do Rio pela atriz Dulcina de Moraes para a sua implantação definitiva em Brasília, na década de 70, e a Universidade de Brasília, mantêm cursos de formação na área teatral, que alimentam os grupos que atuam na região. Ainda que dispersos em pequenos núcleos, sem muita continuidade, se distribuindo em produções eventuais, esses coletivos, frágeis em estrutura de produção, procuram se sustentar em montagens que se oferecem ao público em temporadas curtas. O diretor Guilherme Reis responsável pela curadoria e realização do festival Cena Contemporânea, que no dia 23 inicia a sua 12ª edição, registra este ano 70 montagens de Brasília que se candidataram à participar da mostra. Tal volume reflete produção vasta, ainda que alguns espetáculos já tenham sido apresentados há algum tempo, o que evidencia a medida do consumo represado. Mas essa produção, a julgar pelo que pode ser visto fora dos limites locais, nem sempre corresponde, artisticamente, ao número de espetáculos. Quem já assistiu a montagens dirigidas por Hugo Rodas, um uruguaio há mais de três décadas em atividade, como professor e encenador, em Brasília, pode constatar a qualidade e coerência estética de seu trabalho cênico. Ao assistir a montagens dos irmãos Guimarães (Adriano e Fernando) é possível constatar o nível de sofisticação e refinamento de seu teatro, em especial nas montagens baseadas em textos de Samuel Beckett. Ou ter constatado, no início deste ano, em apresentações no Espaço Sesc carioca, as possibilidades investigativas da diretora e atriz de Miriam Virna, que trouxe da capital do país a sua interessante versão para o romance de Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo, que no teatro recebeu o título de Admirável e Só Para Selvagens. Até recentemente estava em cena Entrepartidas, versão circulante de encenação de Francis Wilker e dramaturgia de Jonathan Andrade, que propunha ao espectador, percorrer, com paradas bem marcantes, o mapa afetivo de partidas sem chegadas. Saindo de ônibus, o público, já de início, é provocado por  situação inesperada que antecede a sua entrada no veículo. No caminho, captura imagens dos personagens, que encontrará em seguida, soltos na paisagem agreste e escura do caminho. Ao chegar à parada do ônibus, o primeiro impacto. Descobre-se estar em Vila Planaltina, vilarejo a 200 metros do Congresso Nacional, com  pracinha e coreto, casario de baixa classe média, em ambiência que estabelece contraste, econômico e social, com a imponência da Praça dos Três Poderes, logo ali do lado. Nessa impressiva Macondo brasiliense, cenas se desenrolam em meio a poemas, de Fernando Pessoa a Elisa Lucinda, desvendando angústia de doentes terminais, desencontros de afetos perdidos e abandonados, ou miragens de meninos de rua. Entra-se em casas, vislumbram-se partidas definitivas em prosaica bicicleta, revela-se imagem de um menino num telhado, lembrança de um quadro de Chagall, perdido no cerrado. 
Entrepartidas é um espetáculo que ultrapassa as suas características regionais pelas possibilidade que oferece a olhos forasteiros. Surpresa de descobrir o onírico em paisagem circundante magicamente agreste e realisticamente contrastada.Ainda que Entrepartidas não esteja na programação do Cena Contemporânea (seria uma oportunidade para o público de fora se envolver nesta ácida demonstração de realismo mágico), alguns outros espetáculos de Brasília compõem a programação. A ênfase, no entanto, desta mostra internacional são os convidados estrangeiros. Entre os destaques, o grupo dinamarquês Teatro OM, com 79° Fjord, e o australiano Acrobat, com Propaganda.                                                

                                                               macksenr@gmail.com