Musicais Cantam Ídolos
Crítica/ Tim Maia – Vale Tudo, O Musical
Tiago Abravanel recria, física e vocalmente, personagem excessivo |
O musical sobre o cantor e compositor, que está em cena no Teatro Carlos Gomes, tem origem no livro de Nelson Motta Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia, lançado há três anos. Um robusto best-seller. Na versão teatral, o mesmo Motta, ao lado do diretor João Fonseca, transcreveu para o palco a detalhada biografia, que acompanha com minúcias as peripécias de uma existência nada convencional. Se em livro, com texto escorreito e pesquisa diluída pela convivência do autor com o biografado, a leitura transforma em leveza a curiosidade voyeur sobre vida tão criativamente atribulada. No palco, no entanto, a perspectiva se torna um tanto menos leve. Aparentemente, Nelson Motta pretendeu incluir a maior parte das informações contidas no livro, e no que deveria ser um roteiro de integração texto-cena, acaba por ser uma compilação desmedida de casos sem o devido balanço narrativo. Todo narrado, não se tira partido da intensidade dramática em favor da excessiva voltagem e volume de histórias – algumas potencialmente ricas para o palco, outras apenas residualmente. Fica-se com a sensação de que não se quis perder nada, ou pelo menos, reduzir a perda ao mínimo para não se desintegrar a inteireza de uma obra. Mas o teatro é impiedoso nos meios de manipulação de sua linguagem. Enquanto no primeiro ato, detalhes que somente ilustram vida e carreira se estendem além do suportável acolhimento cênico, no segundo, aspectos relevantes da fase final de Tim, se medem pela capacidade do espectador de ultrapassar a já longa duração do espetáculo. No total, três horas, com dez minutos de intervalo. Mesmo com o repertório conhecido da platéia, que se deixa levar e canta, várias vezes, junto com o elenco, a estrutura da narrativa se desequilibra por essa desarmonia entre informação e tempo. Mais se torna menos. As músicas se introduzem com espontaneidade no fluxo da montagem e os atores defendem vocalmente muito bem as suas participações. A quantidade generosa de cenas e o formato descritivo do texto, levaram o diretor João Fonseca a criar múltiplos gadgets cênicos para preencher, ilustradamente, o que precisava ser representado. Uma vez mais, o excesso se transfere para a direção. No cenário e figurinos de Nello Marese também se avolumam em detalhes dispensáveis. Enquanto no figurino, a multiplicação de roupas segue disciplinadamente cada uma das épocas, os adereços são, deliberadamente cafonas, e o cenário, funcionalmente sombrio, explodindo apenas na cena da discoteca, a melhor do espetáculo. Os ótimos cantores, se mostram menos sensíveis como atores. Na caracterização de nomes conhecidos (Elis Regina, Roberto e Erasmo Carlos, Carlos Imperial, Edu Lobo) se adota linha caricatural, que apesar da coerência com o espírito geral da montagem, nem sempre resulta. Tiago Abravanel como Tim Maia em composição física e vocal que, mais do que reviver o cantor, recria interpretativamente a imagem de um personagem peculiar, é o merecido destaque.
Crítica/ Emilinha & Marlene – As Rainhas do Rádio
Figurino e gestos não evocam celebridades pioneiras |
Na era do rádio, dos anos 40 aos 60, a rivalidade, fabricada ou não, entre as cantoras Emilinha Borba e Marlene dominava as ondas da Rádio Nacional e as páginas da Revista do Rádio. Este golpe de marketing, anterior à sua sistematização, perdura até hoje como um dos símbolos da veiculação radiofônica de idolatria popular. O texto de Thereza Falcão e Júlio Fischer para o musical em cartaz no Teatro Maison de France intenta capturar esse fenômeno através de pesquisa sobre a carreira da dupla, procurando estabelecer os pontos na disputa, entre elas e os fãs, pela supremacia de alguma delas. Para caracterizar essa interminável e até hoje irreconciliável contenda, os autores decidiram centrá-la na adesão de duas irmãs, uma emilinista, outra marlenista, que ao desfazerem a casa da mãe, morta recentemente, vão desfiando histórias sobre suas preferidas. E seguem-se informações biográficas que se misturam a picuinhas da vida das irmãs, num paralelismo ingênuo e dramatização rudimentar. Esse elemento deflagrador para a história das rainhas do rádio, é o recurso narrativo, sequencial e cronológico, de contar as carreiras e um tanto da vida de ambas, e pretexto para introduzir o repertório musical. O desinteressante diálogo das irmãs e a fraca transposição dramática da pesquisa, impedem que o espírito da época e o furor dos fãs-clubes sejam vistos em cena. E sem o cenário ambiental e base cênica mais consistente, fica-se diante de um relatório/ registro de algo apenas curioso. A direção Antonio de Bonis caminha no mesmo rumo do texto, requentando os dados factuais com igual exterioridade com que são relacionados, e sem qualquer observação que lance algum sentido menos circunstancial ao que está sendo narrado. Não basta que os figurinos de Rosa Magalhães reproduzam, quase como cópias perfeitas, aqueles usados pelas cantoras, e que as atrizes mimetizem trejeitos das personagens originais para que se imponha espaço evocativo. Texto e montagem reduzem Emilinha e Marlene a imagens, acreditando que tanto mais se copie as originais, tanto menos se disfarçam os precários meios de se desenhar os contornos teatrais. No elenco, em que Angela Rebello e Rosa Douat emprestam pouca veracidade interpretativa às irmãs, Stella Maria Rodrigues se distribui por vários papéis (Dulcina, Eneida, Ângela Maria) em intervenções em tom intenso demais. Cristiano Gualda também reproduz a intensidade da companheira de elenco. Cilene Guedes e Mona Vilardo compõem o coro, ao lado de Luiz Nicolau e Ettore Zuim, com participações em pequenos papéis. Cédric Gottesmann faz apenas uma aparição. Vanessa Gerbelli, como Emilinha, se mostra contida, sublinhando algumas dos traços da cantora, mas mantendo distância do aspecto popular da cantora. Já Solange Badim, como Marlene, adota linha decisivamente mimética, retratando os gestos e os erres acentuados das intérpretes do período. Mas a atriz, ao reproduzir o caráter explosivo de Marlene, não se limita a imitá-la. Imprime tom, inteligentemente, crítico.
O Que Há (de melhor) Para Ver
R&J de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para um grupo de alunos de um colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos.Teatro do Leblon.
A Lua vem da Ásia - A ficção de Campos Carvalho é um modo de recriar universo atropelado por inconclusões e por visão um tanto niilista da existência. O diretor Moacir Chaves empresta ao monólogo um caráter múltiplo, conduzindo os espectadores pela jornada de alguém percorrendo dúvidas. Com o vigor do peito aberto e o patético de um vagabundo que evoca Beckett, Chico Diaz transmite com ironia e sensibilidade o “sentimento do mundo” construído por Campos de Carvalho, numa atuação límpida e inteligente. Teatro Sesi.
Um Violinista No Telhado - Baseado na cultura judaica, fixada no microcosmo de uma aldeia russa, no início do século XX, o musical ganha versão com igual rigor de realização que Charles Möeller e Cláudio Botelho têm mantido nas suas montagens. Com a mesma capacidade de selecionar os elencos, dos protagonistas às crianças, a dupla acerta, uma vez mais, no harmonioso e eficiente coletivo de atores, cantores e bailarinos, e na ótima direção musical e na orquestra. Oi Casa Grande
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