sábado, 27 de agosto de 2011

Festivais

Cena Contemporânea  
Shakespeare e Imigrantes no Planalto

Cena Contemporânea


Shakespeare e Imigrantes no Planalto 


Circo sertanejo do vilão Ricardo
Foi dada a partida para a décima segunda edição do Festival Internacional de Teatro de Brasília com 31 montagens nacionais e internacionais, reunidas em torno do amplo conceito de  “multiplicidade”, o que deixa espaço a participações tão diversas em que cabem espetáculo de visualidade dominante, teatro-dança, experimentalismo ingênuo e concepções vigorosas. A mostra mantém em mais este ano, a integridade de que atira em várias linguagens, mirando, menos a originalidade, e mais a criação de identidade própria, demonstrando relativa independência curatorial em relação aos seus congêneres. Esta identidade, se manifesta com maior ênfase na programação internacional, com a vinda a Brasília de montagens de países pouco frequentes em festivais brasileiros, como México, Espanha, Dinamarca, Austrália,Polônia e Coréia do Sul. Já entre as nacionais, a maioria delas já percorreu outras mostras, sem que nenhuma estréia na capital federal, nem mesmo os espetáculos locais. Sua Incelença Ricardo III do grupo potiguar Clowns de Shakespeare que abriu o Cena Contemporânea, como havia feito em abril no Festival de Curitiba. A escolha desta encenação de Gabriel Villela foi certeira pela reação que provocou na platéia nos dois dias em que foi apresentada, e pela localização no espaço do Museu da República, junto à Esplanada dos Ministérios. O picadeiro belamente mambembe, onde transcorre a tragicomédia de um Ricardo nordestinamente circense, tem como pano de fundo os traços da Catedral de Brasília, estabelecendo contraste que acrescenta outra dimensão dramática ao espetáculo. O grupo do Rio Grande do Norte, com 17 anos de fundação, transcreveu a vilania do personagem shakesperiano para o clownesco e a grandiloquência do circo-teatro. Justificando, explicitamente, o seu nome, o grupo incorporou o universo nostálgico-visual de Gabriel Villela, refinando com  poética ingênua, a tragédia que se concretiza em interposta narrativa. Não é mais a tragédia clássica, menos ainda reinterpretação à procura de dar outro sentido ao trágico, mas o desenvolvimento de linguagem sobre  a  qual se constrói a cena. As máscaras e a música, as pantomimas dos palhaços e a ourivesaria da estética sertaneja, desestruturam o ritualismo do teatro clássico e o sombrio do elizabetano para retomar a representação como uma experiência formal, que se erige como um valor em si mesmo. Nada se perde, algo se acrescenta. Shakespeare não sai diminuído, e a imagética e o universo de Gabriel Villela se confirmam. E a platéia se encanta.
Em outro extremo, o Teatro Línea de Sombra, do México, apresentou Amarillo, performance-instalacão-dramática em enquadramento sócio-político. O impacto visual já se revela ao entrar na sala, quando a platéia se defronta com enorme painel-muro branco. O palco despido, com as coxias visíveis, vai sendo ocupado por gestos mecânicos dos atores, galões de água se distribuem plasticamente no espaço, dezenas de sacos de areia, com o painel de fundo agigantando-se na sua impenetrabilidade opressiva.  Amarillo, a cidade texana, ponto de atração para os emigrantes ilegais mexicanos, não é somente alvo de esperança de uma melhor sobrevivência, mas geografia da impossibilidade de existir. O imigrante se descobre alguém que não existe. A falência das origens, obscurece as perspectivas de futuras afirmações identitárias. O apagamento do que se deixa na partida, continua na duvidosa e improvável chegada. O que poderia ser um teatro político raivoso e sectário, se torna instalação cênica que usa meios expressivos sofisticados, através dos quais, o desaparecimento do humano por razões políticas ganha discurso intermediado por sensível recriação do real. Pulsante, Amarillo dá dimensão contemporânea ao intervencionismo do teatro político, revigorando-o.
                                      macksenr@gmail.com