sexta-feira, 31 de maio de 2013

20ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ [DES]CONHECIDOS
O delicado desequilíbrio amoroso
O que se quer refletir nesta peça camerística, escrita e dirigida por Igor Angelkorte, em cartaz no Teatro Café Pequeno, é tão evidente quanto a interferência urgente das atuais formas múltiplas de comunicação, e tão impalpáveis quanto as possíveis construções das afetividades. Casal marca encontro em um bar através das redes sociais, e se vê frente a frente, desencontrados de suas identidades desconhecidas. Despertada a atração sexual, a partir da qual se desarmam os mecanismos do processo amoroso, impulsionados pela urgência de expressar sentimentos. A plateia restrita a três dezenas de espectadores compartilha o confinamento emocional do que parece ser, a princípio, a extensão, via internet, de descompromissado contato. O adensamento dos contraditórios movimentos das pulsões, do desejo e do amor, descontroem as aproximações digitais fortuitas para revelar a permanência dos conflitos das volatéis maneiras de amar. A narrativa de Angelkorte lembra, pela impermanência dos sentimentos, o casal do filme-peça de Arnaldo Jabor, Eu te Amo, ao explorar os limites afetivos até o momento da ruptura. As cenas iniciais, que têm um aspecto mais figurativo, antecipam uma envolvência em que os diálogos são intensamente reais e simples, e o jogo dramático bem traçado. A ingenuidade na procura da intervenção da plateia e as referências excessivas à comunicação digital se tornam detalhes em meio à exposição do delicado desequilíbrio das relações dos nossos dias. A montagem, que traz a plateia para a cena, o que provoca intimidade quase física, contribui para estabelecer atmosfera tensa. Os atores – Chandelly Braz e Igor Angelkorte – projetam com fina sintonia os preâmbulos e o desfecho de vibrante discurso amoroso. Tanto Chandelly (uma bonita figura) quanto Angelkorte (uma presença bem marcada) demonstram naturalidade e espontaneidade que, antes de se ligar a interpretações naturalistas e a facilidades de atuações fotográficas, se originam na recriação de vivências de geração em pleno estado de ebulição.                  

Crítica/ Beatriz
Silenciosas vozes interiores
Beatriz, em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, como antes a Cia. Atores de Laura havia feito com O Filho Eterno, adaptou obra literário de Cristóvão Tezza para teatro. Se na montagem anterior, a adaptação de Bruno Lara Resende foi habilmente acondicionada no invólucro de um monólogo, na atual, os problemas na transposição se manifestam pelo caráter quase confessional como é tratado o relacionamento do casal. A maneira descritiva como falam daquilo que lhes acontece ou o que rege suas atitudes, ressoam como vozes interiores que prescindem de diálogos. A adaptação não encontra a transcrição para a interioridade da narrativa original, traduzindo com realismo o que circula entre o literário e o intimismo. Tanto o adaptador como o diretor Daniel Herz insistem em dar contornos de realidade ao que transita em planos mais sensoriais, o que torna a versão cênica de Beatriz, algo que se distancia da palavra construída como literatura sem transformá-la em ação teatral. A cenografia de Aurora dos Campos exibe esse desacordo nos ambientes despidos (da pobre mesa da conferência ao despojamento de uma sala) e no sugestivo corrimão da escada. A iluminação de Aurélio de Simoni abandona a possibilidade de luz mais onírica. A montagem de Herz não traz concretude à narrativa, e não atinge o substrato do texto de Tezza. Ana Paula Secco e Paulo Hamilton, apesar de alinhar suas interpretações com as falas expositivas e voltadas diretamente para a plateia, não abandonam a lembrança de que há que projetar a contracena nas atuações.

Crítica/ Do Tamanho do Mundo
À procura de seu lugar nas convenções 
Neste primeiro texto para teatro de Paula Braun há uma clara demonstração da necessidade de ultrapassar certas convenções e códigos para diluir a inexperiência. Há sempre algo de insólito e de estranho impulsionando as atitudes dos personagens, prontos a embarcar em situações diante das quais não procuram descobrir razões ou mesmo sentir-se intrigados. Acordar e não conseguir caminhar é tão banal quanto reclamar da chatice do trabalho e assar tortas em escala industrial em pleno período do carnaval. O que parece fora do lugar, está realmente fora do lugar, afinal a autora tem a ambição de alargar as bizarrices de comportamentos que tenham o tamanho do mundo. Bem mais pequena do que a pretensão, a montagem em cartaz no Espaço Tom Jobim está longe de emprestar a atitudes anticonvencionais algum significado absurdo (como conceito de dramaturgia), crítico (passa ao largo do humor irônico), ou inovador (está mais próxima de uma mal sucedida comédia de costumes). A direção de Jefferson Miranda agrava os descompassos  do texto, confundindo estranheza com inconsistência dramaturgica, choque que se repete no cenário que parece ter se inspirado nos ambientes dos filmes de Jacques Tati, mas sem razão para tal semelhança. O figurino é tão delirante quanto a trama. Basta citar a figura grotesca do diabo. Os exageros se estendem ao elenco, que pouco pode fazer diante de personagens despropositados e insustentáveis.                                                                                    
                                     
                                                         macksenr@gmail.com 

sexta-feira, 24 de maio de 2013

19ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ Vermelho
 
As cores do olhar no confronto com a arte
O autor americano John Logan figura em Vermelho, cartaz no Teatro Ginástico, a fricção artística e pessoal de  Mark Rothko quando o pintor, no final dos anos 50, se defronta com a juventude de seu assistente e o avanço de novos momentos de criação. O texto se estrutura com o rigor de diálogos afinados e situações que contrapõem observações sobre a crise de Rothko frente a seu tempo, dosando com toques emocionais discussões sobre arte e veracidade da existência. O autor joga com a dualidade arte-vida, equilibrando, nem sempre comedidamente, os dois planos. Na trama realista, a presença do jovem com história individual extremada e surpreendente capacidade de argumentação no enfrentamento com o mestre parece servir mais a uma acomodação ao arcabouço dramatúrgico do que aos parâmetros do estilo. Mas ultrapassado tais limites, Logan conduz com dinâmica dramática o debate, externo e interno, de alguém que pressente como agem sobre si e sua obra as mudanças do tempo, irrecuperável movimento em que o presente ameaçador conduz a manter-se na fixidez do passado. A cor, em tons e camadas, densidade e luminosidade, e o olhar, em captura e significados, recepção e dispersão, envolvem em sensíveis comentários o duelo verbal entre o pintor e o assistente. Em ótima tradução de Rachel Ripani, Vermelho tem montagem assinada por Jorge Takla, que seguiu diligente cartilha e percorreu seguro espaço para não romper os restritos limites do bem executado. O cuidadoso traço do cenário, a iluminação com atmosfera, e até mesmo a trilha sonora um tanto evidente, todos os elementos se conjugam harmoniosamente. O diretor, assim como autor, parece não querer ir mais além do riscado, mantendo-se na linha, dominante, do bom acabamento. A melhor cena é aquela em que Takla  lança os atores na pintura delirantemente vermelha, colorindo a explosão de força artística aos desesperados gestos de ligação com a vida. Antonio Fagundes demonstra a sua maturidade de intérprete, mais pela experiência de carreira do que atuação nuançada. O ator sustenta Mark Rothko numa composição bastante demarcada, o que padroniza o desenvolvimento do personagem rumo estável. Bruno Fagundes enfrenta com timidez, de início, e com crescente soltura os nem sempre verossímeis contra-argumentos do jovem.

Crítica/ Cruel
 
Luz branca sobre um triângulo sem interseções
A mudança do título original, Os Credores, para Cruel, com o qual o adaptador e diretor Elias Andreato revisa o texto do sueco August Strindberg, diz muito do que pretende a encenação em cartaz no Teatro do Leblon. A narrativa de Strindberg, escrita nas décadas finais do século XIX, de características expressionistas e de vincado contorno realista, tem ressonância na linguagem naturalista e melodramática dos relatos de mediatização popular. De certo modo, Cruel intenta essa aproximação através de indícios, como no novelesco que se nota na montagem. Andreato busca interpor tempos narrativos: o histórico da convenção e os códigos de uma certa linguagem folhetinesca. A adaptação explora, na superfície, relações em que a construção de uma vingança deixa à mostra o desequilíbrio emocional de um triângulo desestabilizado. Com diálogos exploratórios de cada passo do processo de desintegração, Strindberg é impiedoso com cada vértice da triangulação, numa tessitura que amarra os pontos de interseção. É na contra luz que os atos dos personagens ganham realidade, e esta é a razão pela qual Os Credores confirma sua permanência como texto dramático. Ao se afastar desta linha, o descompasso e o anacronismo se impõem às matrizes do drama, e ao ser encenado nos dias atuais propõe-se como exercício estilístico, ajustado ao domínio técnico dos atores. Exatamente ao contrário do que desenhou o diretor desta versão. Sem tocar em camadas menos planas e sem imprimir ressignificações à trama, Cruel se projeta numa linearidade de inexpressividade branca. O elenco não estabelece integração interpretativa. Os três atores têm dificuldade de contracena que individualize os personagens, deixando-os à deriva. Erik Marmo confunde contração corporal com uniformidade vocal. Maria Manoella não alcança a ambiguidade de sentimentos da personagem. Reynaldo Gianecchini desarma, com atuação que sugere recursos de melodrama, o mistério e a ardileza que movem o ex-marido.    

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sexta-feira, 17 de maio de 2013

18ª Semana da Temporada 2013


Ivan Sugahara em Duas Direções

Crítica/ Sarau das Putas
Impressões ligeiras sobre "a vida fácil"
Pela origem (uma residência artística) e título ( um sarau), a montagem em cartaz no Teatro Poeira já demonstra a extensão de suas ambições. O tema da prostituição foi tratado como almanaque de lugares-comuns sobre aquela que um dia foi chamada de “vida fácil”. Podem ser relacionados entre tantos reunidos nesta encenação, os das velhas prostitutas da belle époque francesa, os da defesa do prazer como valor intrínseco da profissão, os das fantasias masculinas mediando a relação com as mulheres, além de imagens e palavras que levam à nudez e à vulgaridade. Nesta montagem, dispensam-se comentários ou observações, substituídos pelas letras de músicas que concluem o que acabou de ser dramatizado. Aparentemente, os textos nasceram de impressões das atrizes sobre as prostitutas, e no caso de uma delas, há até a referência à bisavó que exerceu a profissão. Verdade ou ficção, o material reunido tem pouco expressividade dramática. Escritas pelo diretor Ivan Sugahara, Renata Mizrahi e Vitor Barbarisi, as cenas foram estruturadas sem interligação, restando um fiapo de narrativa e o ensaio de um percurso com algum clima, como na sensibilização do público de olhos vendados. São dois atos alongados, que parecem condicionar sua duração à necessidade de acomodar todo o elenco. O primeiro ato, repleto de chavões que o imaginário registra das “mulheres da vida”, é, de certo modo, atenuado no segundo, com alguma variante na tipificação como são tratadas as personagens. Aqui e ali, pode-se sentir que um texto teve tratamento mais elaborado, mas são raros e diluídos em meio a tantos outros convencionais. Uma boa cena é a da cadeirante, que estabelece potente imagem em um momento, e reaparece em outro, num flash de humor cruel. Sugahara persegue o clima de sarau com as músicas encerrando os quadros, mas como as atrizes têm reduzida capacidade para o canto, as mudanças  das intérpretes e das histórias ficam atrofiadas no roteiro sequencial. Das treze atrizes, a maioria ainda em processo de formação, se destacam Laila Garin, por presença mais firme, Laura Limp, pela maneira como conjuga beleza e ambiguidade, e Carolina Ferman por transitar pela fantasia e hipocrisia.
  
Crítica/ Tarja Preta
Conversa de bêbados em torno de rótulos
Adriana Falcão imprime ritmo descritivo à palavra, que ganharia viço em cena se melhor escolhida e adaptada. Em Tarja Preta , em cartaz no Teatro do Leblon, a cronista desenvolve situação que contrapõe dependente de álcool e outras drogas e medicamentos a seu cérebro, algo crítico, mas bombardeado pelos efeitos deste consumo excessivo. Bêbada, mantendo-se em constante estado de suspensão, com o cérebro-alter-ego insistindo em chamar-lhe à realidade, sobrevive mal a separação  amorosa, que a lança a zonas alcoólicas de rejeição e a rótulos escuros de baixa estima. Tarja Preta se cristaliza neste quadro e avança pouco no espaço mais amplo do humor ativado por costumes, cacoetes e comportamentos capturados na atualidade. É difícil sustentar o embate da mulher com seu cérebro e mantê-lo interessante no palco com estímulos tão restritos. O diálogo se assemelha a conversa de bêbado, e a evolução narrativa emperra no raso impulso da trama. O diretor Ivan Sugahara tenta colorir o quadro monocromático, inventando pantomima que agite a fixidez da tênue batalha. A longa cena inicial dos personagens trocando passos, exibindo alto grau etílico, usando de gesticulação clownesca para encontrar o humor inexistente, é um esforço da direção para dar algum sopro ao modesto texto. O esforço, no entanto, se perde pela falta de melhor material que o leve adiante. Os atores, apesar da corrida para agarrar qualquer trilha de humor, esgotam seus recursos pela ausência de fôlego do que lhes é dado como base para interpretação. Érico Brás se apóia em linha circense, como na cena de vestir o calção. Letícia Isnard, combina preparo corporal e presteza nas falas, insuflando alguma vitalidade e expandindo, com esperteza interpretativa, a relevância de um simples tipo.     
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domingo, 12 de maio de 2013

17ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ Pequenas Tragédias
 
Pushkin para além das medidas
De tragédias clássicas, Alexander Pushkin fez teatro de textos curtos, apropriando-se de personagens como Don Juan, Fausto e Mozart para dramatizar o literário. Quatro das peças breves do autor russo – O Convidado de Pedra, Conversa Entre o Livreiro e o Poeta, Mozart e Salieri e Cena de Fausto – estão em cartaz no Porão da Laura Alvim, em versão artesanal de Fabiano de Freitas. Pushkin, essencialmente romancista e poeta, não por acaso foi buscar na literatura os elementos para a sua dramaturgia de condensada influência na palavra escrita. Seu teatro, que traz forte conotação do literário, se ressente desta interferência ao ponto de se tornar mais audível do que físico. As cenas são tertúlias em que a voz é mais palavra do que ação, em que o embate dos personagens se realiza no plano verbal. Maior dificuldade de encenar Pushkin, o difícil encaixe da letra se transformar em cena, é por outro lado mérito para aqueles que decidem montar seus textos. Revelá-los e enfrentar as desafiantes condições para leva-los ao palco, são qualidades com que se defronta quem deseja experimentar as possibilidades do teatro. A equipe reunida para esta produção tem a seu favor o impulso de trazer essas narrativas à plateia atual, ainda que as tenha explorado de forma convencional. Como o espaço do Porão é exíguo, a proximidade ao público desvenda, expondo sem intermediações, as eventuais fraturas da concepção, deixando à vista interpretações pouco contidas, iluminação por demais interveniente, e movimentação dos atores sem variações. Com as limitações espaciais e expansões conceituais, a montagem de Fabiano de Freitas intenta projetar o que cada um dos pequenos textos trazem como substrato dramático. Vai além das medidas razoáveis, mas, ainda que com parcialidade, transmite o espírito das histórias. O casal de atores – Ana Carbatti e Renato Carrera -, em que pese a sobrecarga artificialmente construída nos diversos papéis em que se transfigura, procura com empenho tornar modular o que apenas consegue fazer linear.        

Crítica/ Silêncios Claros
 
Clarice aquém da intensidade
Por mais que a obra literária de Clarice Lispector possa ser, à primeira vista, pouco maleável ao palco, a constância com que seus contos e romances chegam ao teatro, demonstra a potencialidade expressiva de sua literatura em outros meios. Mais uma vez, Clarice inspira uma atriz a reunir contos – o Grande Passeio, Uma Galinha, A Fuga e Uma Tarde Plena – para em monólogo traduzir a rascante delicadeza na observação dos pequenos flagrantes da crueldade da aventura humana. É o que Ester Jablonski encena no Parque da Ruínas em quatro momentos de mulheres que olham para o abandono e morte, para o prosaico e cotidiano, para as lembrança e esquecimento. O espetáculo dirigido por Fernando Philbert é conduzido pela sensibilidade da atriz, criadora em parceria com Ítalo Rossi, do projeto. O diretor mostra-se como condutor da personalidade cênica da atriz: suave, discreta, introspectiva. A presença de Philbert se revela mais como organizador do que propriamente como regente. Ester Jablonski perpassa os contos com o cuidado de não provocar qualquer ruptura na busca da voz interior do bordado de Clarice. A atriz mantém integridade interpretativa em que não cabem variações ou ênfases, sombras ou iluminações, pausas ou arroubos. A atuação é conduzida por interioridade que, se não alcança a intensidade da origem literária, cuida de ser fiel à dimensão sensível de Ester.    

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