domingo, 29 de janeiro de 2012

5ª Semana da Temporada 2012

Crítica/ A Propósito de Senhorita Júlia
Nacionalização dos papéis no secular  jogo da paixão
O fascínio que Senhorita Júlia, de August Strindberg, exerce sobre a cena contemporânea é inesgotável, não só pelo jogo de atracão e repulsão de casal de classes sociais diferentes, que submete suas emoções ao determinismo de seus papéis sociais, mas como veículo para encenadores atualizarem essa peleja, ampliando os conflitos atemporais. Personagens surgidos na Suécia do século XIX, se tornaram permanentes ao longo do tempo, muito menos pelas diferenças que distanciam a jovem rica do empregado pobre, mas pelo servilismo de cada um deles ao papel social que lhes foi imposto. A fixidez a que  condenam sua paixão, sugere apenas a teia perversa que tramam contra si mesmo, ao vivenciar a atração física, traduzindo-a nos oscilantes papéis de dominanção e sujeição. A adaptação de José Almino e Walter Lima Jr., em cartaz no Teatro Nelson Rodrigues, escolheu transpôr a ação para o Brasil como decidida opção a referências nominais à vida política nacional (na cena inicial, a empregada doméstica cantarola o Hino Nacional em ritmo de samba), enfatizando a diferença de classe. Quaisquer outros aspectos são colocados em plano secundário para condicionar a narrativa à “luta de classes”. Com esta visão, algo restrita, o diretor Walter Lina Jr. conduz a encenação, sublinhando o que deveria estar subjacente, desconsiderando as entrelinhas para ressaltar, como evidência, a ação. Nesta visão algo redutora, a montagem reproduz uma confrontação linearizada, em detrimento da construção do jogo dramático, inerente ao original. Tal desencontro se manifesta, em especial, no elenco. Dani Ornellas, como a empregada, tem a personagem esvaziada da dimensão moralista, em favor da perspectiva religiosa. Armando Babaioff, leva o ressentimento do motorista como a única face do personagem, ainda assim, o ator empresta sua energia interpretativa, garantindo relativa flexibilização ao personagem. Alessandra Negrini tem atuação bastante limitada. As suas expressões faciais exageradas, e movimentração corporal inexpressiva, não permitem que consiga estabelecer com seus companheiros de palco verdadeira contracena.             

Crítica/Os Altruístas
                                                                 Lenise Pinheiro 
Um autor à procura da contemporaneidade 
Nick Silver, sem ser exatamente o autor da moda, parece ser o do momento. Esse americano estende sua dramaturgia pelas sombras dos desajustados, dos desalojados sociais, de famílias desfuncionais, e falsos rebeldes à procura de uma causa. Cria, a partir dessas experiências, que se pretendem contemporâneas, um teatro de leve estranhamento, mas de indisfarçável  base realista. O papel de crítico suavemente mordaz da contemporaneidade, não transforma Nick Silver num autor de exceção. É apenas um dramaturgo com  habilidade de dosar visão decandentista com o humor de quem ironiza, com complascência, o que intenta reportar. A adaptação e direção do Guilherme Weber demonstram a sua admiração pelo autor, traduzindo na cena, com repetição de palavras, interpretação propositalmenrte afetada do elenco, e trilha sonora que remete a opostas teorias teatrais daquelas que se vêem no palco, adesão irrestrita ao universo de Silver. Tal admiração, no entanto, não é suficiente para que o texto alce vôo no Espaço Tom Jobim. O que é excessivo (a monotonia dos problemas dos personagens), o que é somente derivativo (a imagem da atriz de novela, precariamente transferida para um pastiche brasileiro), e o que pretende ser provocativo (as atitutes são banalizantes), indicam que Silver se repete, cada vez, em crescente diluição de seu universo. Weber sofistica a montagem com o cenário ascético de Daniela Thomas, contrapondo-o à extroversão interpretativa do elenco. Kiko Mascaranhas e Jonathan Haagensen ficam no extremo desta extroversão, afetados, quase caricaturais. Mariana Ximenes se empenha em realizar a intensidade nervosa da atriz de novela, mas num tom acima de voz e de composição física. Stella Rabello defende uma personagem  dispensável, e Miguel Thiré se faz presente com uma atuação surdamente ardilosa.   

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domingo, 22 de janeiro de 2012

4ª Semana da Temporada 2012

Está Aberta a Corrida dos Musicais

Crítica/ As Mimosas da Praça Tiradentes
Briguinhas de camarim pelas luzes do palco
Há uma intenção, pequena e frustrada, de reverter o convencionalismo no musical que pretende contar a história da vida teatral e boêmia da Praça Tiradentes. Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche, os autores de Mimosas da Praça Tirandentes, em cartaz no Teatro Carlos Gomes, uma das casas de espetáculos remanescente da época áurea deste logradouro do Centro, procuram, timidamente, usar o exagero expressivo e a exuberância visual dos travestis para estabelecer contraste crítico e manipular o gênero cabaré como síntese do show bussines. Mas se houve, efetivamente, tais intenções, já a meio do primeiro ato, se percebe que não se levou muito adiante quaisquer delas. O que poderia ser crítico se transforma em exibição de um certo universo de plumas, paetês, de iconografia e música brega. O que se insinua como diversão popular por décadas, se revela somente briguinhas de camarim. Gasparani e Rieche sucumbem à convenção cronológica e à sucessão dos fatos como num manual de registro de datas. A própria trama – um cabaré prestes a fechar as portas, precisa montar show de sucesso para se salvar da falência -  não consegue escapar da rotineira evolução e previsível desfecho. A concepção, por identificar-se sem  filtros com o mundo dos travestis, reduz a cena à caricatura e a competição pelas luzes do palco. A montagem de Gasparani e Sérgio Módena se enquadra, à perfeição, no espírito feérico e superficial do texto. São muitos quadros, alguns bastante longos, dois atos (o segundo, apenas repetitivo), e incansável busca de brilho e efeitos (dos reluzentes figurinos à queda de balões ao final). A cenografia de Ronald Teixeira soluciona o espaço, e o figurino de Marcelo Olinto consegue um bom momento cômico, surpreendendo com a entrada do professor com fantasia de concurso de carnaval. Jonas Hammar não demonstra muita intimidade com o gênero musical. Milton Filho conduz o saltitante camareiro com comicidade popularesca. Claudio Tovar, pelo menos na noite de estréia, se mostrava pouco à vontade em cena. Marya Bravo sustenta bem melhor a Divina Rubia como cantora do que como atriz. César Augusto não encontra o tom para equilibrar-se em saltos altos. Gustavo Gasparani, na mesma chave de seus companheiros de palco, se destaca por interpretação que recorre aos mesmos maneirismos, trejeitos e vozes afetadas dos demais, mas exibe bom trabalho de ator, nítido e detalhado.      


Crítica/ Xanadu
De como o besteirol dá algum fôlego a musical 
A produção do musical Xanadu, em cartaz no Oi Casa Grande, identifica esse descartável exemplar da Broadway, baseado no medíocre filme dos anos 80, como “um besteirol”. O rótulo, serve bem mais como justificativa para a montagem, do que propriamente como julgamento de valor. A opção de associar esse estilo tão carioca de teatro, que na mesma época da exibição do filme com a insossa Olivia Newton–John, espanava os ares pesados da censura e o peso das metáforas dos textos então em cena, é o que torna possível a aclimatação e a sobrevida deste desinteressante musical. A versão brasileira de Artur Xexéo insuflou algum fôlego a este impensável divertissiment, com pequenas piadas, citações locais, e referências a  programas de televisão e a atribulações da produção teatral. Foi a melhor, e, sem dúvida, única alternativa para que o absurdo se tornasse, minimamente, digerível, e a banalidade, um pouco mais reconhecível. Administrando esse truque de importação, o diretor Miguel Falabella seguiu com habilidade, e um olho no espetáculo original da Broadway, e outro nas suas lembranças como um dos inventores do besteirol, as restritas possibilidades de encenação de material tão inconsistente. Apesar da tradução, sonoramente vertida para nossos ouvidos, das canções medíocres e do aparato cenográfico e figurino colorido, que revisitam a estética disco e patinam nos efeitos, o espetáculo avança sem maiores deslizes, a não ser aquele que lembra o largo tempo para contar historieta tão boba. Daniele Winits se mostra mais vivaz como atriz do que como cantora. Thiago Fragoso ultrapassa, com interpretação digna, seu abobalhado personagem. Sidney Magal, integrando-se à adaptação nacional, reproduz a sua imagem de cantor. Sabrina Korgut, com maior desenvoltura, e Gottsha compõem com dupla bem humorada, que poderia fazer parte do elenco de programa humorístico de televisão.      

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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

3ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ Duplo Grimp
O Campo: simulacro do amor
Felipe Vidal, diretor de Duplo Grimp, que reúne dois textos (A Cidade e O Campo) do inglês Martin Grimp, investe, uma vez mais, na dramaturgia do autor que faz de situações, palavras, e pausas, percursos. Na montagem anterior de Vidal, Tentativas Contra a Vida Dela, Grimp criava cenas que se (des)ordenavam como narrativa, desmentindo-se ou afirmando-se pelos escaninhos da escrita teatral. Não havia, propriamente, enredo, embora houvesse indícios, distribuídos por 17 situações que criavam um fluxo de vozes numa região ficcional em que os meios são os próprios elementos da narração. Nos dois textos que compõem o espetáculo em cartaz no Teatro Gláucio Gill, a estrutura da escrita de Grimp permanece nas suas características mais significantes. Tanto em O Campo, quanto em A Cidade, se mantêm os diálogos tautológicos, as ações inconclusas, as emoções descarnadas, num provocante quadro de especulações para o espectador. Ainda que se queira atribuir razões para justificar figuras, quase tipos, desprovidos de coerência, perfil psicológico ou sentimentos capturáveis, o que lhes confere realidade são as hipóteses de recepção.
A Cidade: construção da cidade interna
Em O Campo, o que parece indicar aparência, é o jogo de despistes, em que um trio se entrelaça, com cada vértice representando um picote  na fotografia dos outros dois. Quem tem o papel de traidor? Quem é traído? Quem é aquele que está sempre presente, mas apenas através do telefone? Palavra e atitude se ligam por dissociação, numa lembrança da dramaturgia de Harold Pinter. O que se procura reproduzir, por meio de personagem abstrato, invisível e subterrâneo, é o simulacro do amor. Em A Cidade, a traição nunca é explicitada, pairando sobre um casal, uma vizinha enfermeira e menção a um escritor. Neste quadrilátero, abre-se espaço para que, a seu modo, cada um “ agarre-se à vida”, apesar de “tudo parecer estranho e artificial”. Na urbe das dúvidas dos papéis a se desempenhar, a construção é da cidade interna, aquela em que se inventam personagens, e em que se fica sem saber quem é verdadeiro ou inventado.
Felipe Vidal na direção e Danielle Ávila na tradução, demonstram forte adesão ao universo de Martin Crimp. Ele, pela maneira como risca a cena em consonância com a atmosfera do autor. Ela, pela transcrição no ritmo do “fluxo de especulações” que se pode intuir do original. A encenação se apóia na mesma linguagem subterrânea do texto, equalizando a materialidade das situações à abstração subjacente a cada palavra e ação. Uma montagem em sintonia fina. O cenário de Aurora dos Campos, que tão bem desenhou o esboço de uma casa em tubos de metal, se perde um pouco ao decorá-la com elementos por demais conotados. Como os galhos artificiais de plantas e o mobiliário de jardim. A iluminação de Tomás Ribas preenche com vigor o espaço. E tanto num texto, quanto em outro, os elencos correspondem à intensidade dos diálogos e ao caudal das palavras, correspondendo com interpretações que refletem compreensão do texto. Mesmo com as atuações sagazes de Adriano Saboya e Flavia Pucci, Gabriela Carneiro da Cunha é quem empresta  ironia à jovem misteriosa em O Campo. Em A Cidade, Lucas Gouvêa e Cris Larin estabelecem a dubiedade dos personagens, enquanto Nicole Crodery e Beatri Bertú se mantêm em conveniente segundo plano.

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domingo, 15 de janeiro de 2012

2ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ Disney Killer
Híbrido estilístico alimentado por chocolates e bizarrices
Disney Killer tem maiores pretensões do que verdadeiramente consistência dramatúrgica. O problema está em que se instala em zona estilística um tanto híbrida, perdida no vácuo entre o thriller psicológico e o drama de efeitos. O mundo criado pelos irmãos gêmeos, ele, apoiado por desejos reprimidos, ela, pelo medo de não ultrapassar a rejeição emocional, se alimenta de solidão, chocolates e supostos perigos do mundo. Na casa decadente em que vivem, desde que os pais desapareceram, resta apenas a expectativa de que o ambiente de finitude, imaginado no exterior, não atinja a finitude existencial que os irmãos estabeleceram para si mesmo. Confinados por decisão própria, nutridos por tranqüilizantes, lembranças infantilizadas, dissonantes vozes internas, recebem a visita de um entertainer , que tem como número especial de seus shows a degustação de baratas vivas. A narrativa de Philip Ridley, dividida em duas estendidas e desniveladas partes, expõe em diálogos prolixos a doentia relação dos irmãos, até a entrada do forasteiro, quando a cena se transforma em show de variedades bizarras. Há qualidades, sem dúvida, neste texto escrito na início da década de 90, mas que terão que ser referenciadas à época em que Ridley a escreveu. A estranheza dos personagens, o grotesco de suas atitudes, o sentido terminal de um certo modo de viver, são os indícios mais recorrentes de dramaturgia anglo-saxã do período, que disporia de exemplares mais consistentes nos anos seguintes. Darson Ribeiro apossou-se de Disney Killer, em cartaz no Espaço Sérgio Porto, como um projeto teatral de identidade autoral A direção e tradução circundam com evidente adesão o universo dos personagens, procurando não ressaltar tanto suas peculiaridades, mas buscando suas possíveis interioridades. A direção não conseguiu, no entanto, evitar os aspectos mais contundentes do original, aqueles que tornam datadas e exteriorizadas as características da trama. O cenário de Claudio Hanczyc, que faz leitura visual bastante criteriosa do texto, além de demonstrar boa execução, fica prejudicado na área do Sérgio Porto pela sua grande amplitude, e por não projetar o confinamento e a expectativa do que pode vir do exterior.  Como ator, Darson se conduz com a mesma determinação com que dirige, enquanto Felipe Folgosi apreende, parcialmente, o mistério do visitante. Alexandre Tigano trata com excessiva rigidez de movimentos a figura do comparsa. Samantha Dalsoglio leva mais adiante e com bastante habilidade, a nervosidade e percepção dos limites para a condução das crises da personagem.         

Crítica/ Os Datilógrafos
Chavões burocráticos ultrapassados pela tecnologia
As peças do americano Murray Schisgal circulam pelo mercado teatral brasileiro desde os anos 60. Em duas décadas (60 e 70), foram apresentadas no circuito teatral  carioca três exemplares – Amor em Três Dimensões, Putz, e O Tigre – que mostraram bem o alcance desse autor que obedece, disciplinadamente, as técnicas de playwriting. Sua dramaturgia segue normas pré-estabelecidas, reproduzindo convenções, repetindo fórmulas, e pouco mais. Com Os Datilógrafos, em cartaz no Solar de Botafogo, constata-se que o teatro de Schisgal acrescentou à sua rarefeita originalidade, a ação corrosiva do tempo. Já pelo título, percebe-se o anacronismo da trama, que, com ingenuidade e chavões narrativos, reúne dois funcionários que datilografam envelopes a serem enviados com publicidade da empresa. Os nomes são retirados do catálogo telefônico, e mesmo com a passagem do tempo, a dupla se mantém impassível na monótona e inútil função. O chefe, voz tonitroante fora de cena, parece tão burocrático quanto seus funcionários, se mostrando tão tolerante e mecânico quanto os subordinados. Ainda mais reduzida em suas limitadas qualidades pelo envelhecimento temático e ultrapassagem tecnológica, esta versão extemporânea (qual a razão para montá-la?) tem assinatura de Celso Nunes. A direção pouco empenhada, nada faz para trazer o texto, seja por vias nostálgicas, seja por tentativas de imprimir-lhe alguma sobrevida, ao espectador dos nossos dias. A montagem atual, somente acentua as deficiências do texto. Ao recurso ingênuo de marcar a passagem do tempo (da mudança do tipo de aparelho de telefone ao uso de ridículas perucas) e ao invólucro visual (o traço tradicional do cenário e o desencontrado figurino) se acrescentam o falso abrasileiramento da adaptação. O casal de atores – Paula Campos e Henrique Manoel Pinto – está tão desajustado interpretativamente, que não alcança, sequer, o anacronismo de seus personagens.       


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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

1ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ Meu Avesso É Mais Visível Que Um Poste
Territórios subterrâneos de vozes sufocadas
Um dos personagens desta montagem em cartaz no Espaço Sesc, menciona  quadro sobre um posto de gasolina cujo título é a Estrada (seria uma referência à obra de Edward Hopper?). O jogo de cena é desvendado pela constante exposição de seus meios, como na maneira que os atores identificam os personagens que interpretam, anunciando seus nomes antes de suas falas (seria citação ao teatro da autora francesa Nöelle Renaude?). A insistência com que se repete que nada faz muito sentido e da inutilidade de buscar qualquer razão para viver, constrõem sentimento de vazio (seria o mesmo drama da literatura de Albert Camus?). As significações que se atribuem a gestos e atitudes, que os silêncios e as palavras escondem, explicariam o intrigante título da montagem (seria apenas um acaso a apropriação como epígrafe de verso do poeta Manoel de Barros?). As cenas  percorrem territórios subterrâneos, em que a banalidade pode ser vista como comédia ou como lente de aumento da sua tragicidade (seria como Thecov imobliza, na sua dramaturgia, mundos interiores?). Em Meu Avesso É Mais Visível Que Um Poste  cabem todas essas dúvidas e influências, mas ainda assim é de originalidade aliciante. O espaço da representação, aparentemente, segue lógica narrativa que se baseia numa trama. E esta é bastante simples. Grupo familiar vai até a sítio encaixotar objetos, lembranças, o passado, sabe-se lá, já que a propriedade foi vendida. Os dois dias de permanência, marcados pelas horas, mudanças climáticas e fases da lua, são passados entre conversas interrompidas, palavras tensas, piadas sem graça, vozes internas sufocadas, atmosfera indefinida, memórias soltas e perdas definitivas. A dramaturgia e direção de Emmanuel Aragão conduzem o espectador por desvões, seja da representação, de imagens que não se fixam em uma só mirada, seja pelo deliberado esgarçamento do tempo, que se estende, por longas cenas como recurso dramático. A montagem avança por escaninhos, por atalhos que apontam para outros tantos mais, como na informação sobre o título do quadro (a figura se nomeia e se faz existir pelo movimento que se lhe atribui). O elenco – Arthur Schmidt, Carolina Bianchi, Gabriel Pardal, Liliane Rovaris, Michel Blois, Rossini Viana Jr. e Thiare Maia -, que também colaborou no cenário, figurino, iluminação, e trilha sonora, está indissoluvelmente comprometido com a construção da cena. Sua atuação se reflete, com integrados traços, no desenho instigante desse interessante espetáculo.


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sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

60 Anos do Tablado


Maria Clara Machado

Memória de O Tablado e de Uma Obra

2011 marcou os 60 anos de o Tablado, devidamente lembrados pela indicação ao prêmio especial do Shell. Fundadora e símbolo definitivo do teatrinho do Patronato da Gávea, que morreu há dez anos, Maria Clara Machado também teve edição de sua obra completa, pela Nova Aguilar, reunindo as 29 peças que escreveu ao longo de cinco décadas.  
Imagem definitiva do teatro para a criança
A dramaturgia para crianças estabelece com Maria Clara Machado o divisor temporal, a partir do qual as peças infantis se qualificam como textos teatrais de valor dramático intrínseco e linguagem verdadeiramente identificada com o universo da infância. A construção de autonomia expressiva para um gênero que, até então, se circunscrevia a autorias esparsas, deve ser atribuída a Maria Clara Machado como a “fundadora” de um corpo de textos que correspondem a um processo de apropriação das memórias da infância da autora. O teatro infantil, tal como se configurou em cinco décadas no Brasil, tem nesse núcleo autoral os elementos fabulares que, aliados ao tratamento quase poético, determinam uma outra perspectiva para a representação do imaginário da criança. Maria Clara Machado, desde os tempos de bandeirantes ensaiava através de pequenos textos para marionetes apreender os conflitos que o mundo real gera na criança, projetando na irrealidade da fantasia os meios, liberadores e libertários, de superação das inseguranças.
A formação católica de Clara se reflete em muitas das peças  com situações que apontam para educação rígida, encorpando com a presença de tias, em trio, autoritárias, caricaturais e defensoras de valores familiares – como aquelas de Maroquinhas Fru-Fru,  A Menina e o Vento e Os Cigarras e os Formigas -, as vozes que transmitem o mundo dos medos. O Boi e o Burro no Caminho de Belém, um auto natalino em que os animais da manjedoura não se apercebem do que acontece à sua volta. Falantes, o boi e o burro estão diante de um acontecimento do qual não conseguem ter a real dimensão. Os animais e os traços religiosos voltam em O Embarque de Noé, que na montagem de 1957, no Tablado, registra a atuação dos futuros críticos  teatrais Yan Michalski (Jornal do Brasil), como um pinguim,  e Barbara Heliodora, (O Globo) como uma girafa. Jonas e a Baleia, a última peça escrita por Maria Clara Machado, em parceria com a sobrinha Cacá Mourthé, o episódio bíblico tem tratamento de farsa, mas com indisfarçável e suave sentimento cristão de fraternidade.
As peças poéticas, aquelas em que a criança enfrenta os medos e faz percurso até a liberdade de saber quem é, confundem o onírico com o cotidiano. Em Pluft, o Fantasminha, a menina Maribel é seqüestrada pelo Perna de Pau e se defronta com uma família de fantasmas. Maribel e Pluft são crianças e, apesar dos planos diferentes em que vivem, revelam como as semelhanças as unem: aquilo que provoca medo (o fantasmagórico) também sente medo. O menino Vicente persegue a certeza de que seu pangaré é O Cavalinho Azul,  e buscar transmitir essa certeza aos outros não é uma mera forma de convencimento, mas tentativa de trazer todos para o sonho. Em A Menina e o Vento,  a personagem quer se despregar de tudo e soltar-se na cacunda do vento. Até mesmo em Rapto das Cebolinhas, peça menos sustentada por imagens poetizadas, a harmonia  pode estar num chá de cebolinhas tão eficiente que para saciar a fome do Nordeste, quanto como poção mágica do bem viver. O desajuste da pequena bruxa que não consegue exercer a sua natureza má em A Bruxinha que era Boa deixa de ser um condenação para se transformar em um processo de revelação de si mesma.
A inspiração nas histórias tradicionais – Chapeuzinho Vermelho, A Gata Borralheira, O Patinho Feio, João e Maria – é apenas base para que Maria Clara reinvente a trama, emprestando-lhe uma nova proposta  de fantasia. Na originalidade  de seus entrechos – O Diamante do Grão Mongol, O Aprendiz de Feiticeiro, O Dragão Verde, Quem Matou o Leão?, Um Tango Argentino, Tribobó City, entre outras – Clara deixou evidente que a sua obra não se restringe a uma platéia delimitada por idades. Investiu, ainda que esporádica e timidamente, em textos para adultos, como Miss Brasil, Referência 345, As Interferências e Os Embrulhos, todas com toques do teatro do absurdo. As transformações por que passou a autora – a psicanálise foi um dos pontos-chaves para que sua dramaturgia explorasse outros significados – deixaram intacta a capacidade de Clara criar com a magia e ilusão do teatro a fantasia da criança.

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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Temporada 2012


Serrador Sob Nova Direção
Movimentada estreia nos anos 40 no teatro da Senador Dantas
A falta de casas de espetáculos no Rio está determinando o formato das últimas temporadas. O tempo de ocupação dos espetáculos vem diminuindo pela necessidade de renovar os cartazes pela ausência de palcos que os acolham por mais semanas. Os editais das secretarias de cultura e das empresas, que estão ampliando, ano a ano as dotações para o teatro, selecionam projetos, que devem chegar às platéias no prazo de um ano, o que evidencia e pressiona a carência de espaços. Ainda que sejam apenas promessas, já se fala na possibilidade de reabertura do Teatro Copacabana, em provável substituição do Teatro Glória, na finalização da reforma do Teatro Villa-Lobos e na reativação do Teatro Manchete. Mas há boas notícias e mais concretas. O Tereza Rachel será reaberto. O Sesi deve incorporar, ainda este ano, mais um teatro à cidade, com a inauguração de unidade na Rua Mariz e Barros, na Tijuca. E o Teatro Serrador, um dos mais tradicionais do centro, depois de anos de decadência, volta ao circuito, com a ocupação da Cia. Alfândega 18, dirigida por Moacir Chaves. Nos planos da companhia, uma pequena reforma e a apresentação das encenações de Chaves em repertório, além de estréias e convite a outros grupos.    
O Serrador abriu a cortina em 1940, integrando o circuito de teatros da Cinelândia e adjacências, próximo ao Dulcina, Glória, Ginástico, Rival, João Caetano, Carlos Gomes, Recreio, Fênix, Alhambra e República). Abrigo do teatro comercial da época, foi ocupado por companhias que recebiam o nome do primeiro ator/atriz, criando público quase cativo. Ia-se a certas casas de espetáculos para assistir àquela estrela e confirmar o seu estilo. O Serrador foi a casa, por longos anos, de Eva, que se apresentava com Seus Artistas, em comédias que estabeleceram a sua inconfundível verve interpretativa. Na maioria, eram montagens de boulevard franceses, ou versões brasileiras assinadas por Luis Iglesias e Paulo Magalhães, que eram recompensadas por bilheterias, quase sempre, generosas. A inauguração foi com a Companhia de Procópio Ferreira, com Maria Cachucha, de Joracy Camargo. Procópio foi o primeiro arrendatário do Serrador, e com sua companhia fez longa temporada na sala da Senador Dantas. Deus Lhe Pague, o seu cavalo de batalha por décadas, esteve em cartaz por lá, mais de uma vez. Bibi Ferreira escreveu Bendito Entre as Mulheres, especialmente para que o pai atuasse no período do arrendamento. Com pouco mais de 350 lugares, o Serrador foi pouso também para a estréia de alguns textos de Nelson Rodrigues. Em 1951, com Valsa N°6, escrita por Nelson para sua irmã Dulce, e que foi dirigida por Henriette Morineau. Seis anos depois, iniciaria temporada no mesmo teatro, A Mulher Sem Pecado, com direção de Rodolfo Mayer, e ainda com Dulce no elenco, ao lado de Jece Valadão. Nelson Rodrigues voltaria a ocupar o palco do Serrador, em 1965, com Toda Nudez Será Castigada, em excelente encenação de Ziembinski, com Fregolente no elenco, ao lado de Cleyde Yáconis, em interpretação memorável. A partir de 1966, o Serrador, em paralelo com a emigração da cena teatral para a zona sul da cidade, entra em decadência irremediável, pelo menos até agora, quando a revitalização do entorno e a ocupação da Alfândega 18 podem reverter esse quadro.

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