segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Festivais



Cena Contemporânea

O Equilíbrio Delicado de Brasília

A senilidade solitária de guerras perdidas 
O equilíbrio da programação de um festival de teatro é difícil de ser alcançado pelas diversas variáveis que interferem na sua estruturação, Com o Festival Internacional de Teatro de Brasília não é diferente. Pela variedade da oferta e a diversificação dos espetáculos, a mostra segue a fórmula de apresentar tendências múltiplas e linhas de criação até mesmo oponentes. A qualidade está garantida por produções tão instigantes quanto Tercer Grupo, do Timbre 4 da Argentina, Ninguém Falou Que Seria Fácil e Ele Precisa Começar, da carioca Companhia de Foguetes Maravilha, e Vida, da curitibana Companhia Brasileira de Teatro. Mas numa amostragem de três dezenas de montagens, é pouco provável que se atinja o ponto de convergência que sustente a  inventividade e o impacto, que fazem parte dos códigos genéticos das curadorias. Nesta primeira semana do Cena Contemporânea, a desigualdade entre alguns espetáculos deve ser atribuído ao desejo de atender à “diversidade”, o que leva a escolhas, algumas vezes, discutíveis. É o caso de Las Tribulaciones de Virginia, vindo da Espanha, que transformou máquina de efeitos em pretenso teatro poético de bonecos. Numa verdadeira oficina de ferro velho, em que luzinhas se acendem, bonequinhos deslizam sobre fios, mecanismos artesanais abrem janelinhas e acendem coraçõezinhos, conta-se a história ingênua e primária de um desencontro amoroso. O narrador, em tom sussurrante e humor duvidoso, tenta preencher o tempo para que a engrenagem que o envolve seja preparada para o próximo efeito. E tome conversa vazia, dancinha e outras platitudes para alongar a narrativa, movimentar os bonequinhos e acionar a engenhoca. Em quase duas horas, numa ambientação claustrofóbica, a platéia ainda é submetida ao apelo para depor sobre memórias da infância, para tudo terminar com a eclosão de fogos de artifício. Tal pirotecnia deveria ser enquadrado nas regras de segurança dos bombeiros. Também em língua espanhola, Qué Ruído Tan Triste Es El Que Hacen Dos Cuerpos Cuando Se Aman, que veio da Argentina se explica pelo título. São cinco textos curtos – um dos mais interessantes, do espanhol Sanchis Sinisterra – que estabelecem confronto entre duas solidões. As formas, patéticas ou dramáticas, que as relações impõem ao desejo de ter o outro, nunca chegam a bom termo. Nem todas as cenas se sustentam, a melhor delas (Mirar y no Tocar) amplifica, com seu despojamento e nervosidade, o que a concepção geral da montagem pretenderia nos restantes.  Rá! chegou mais perto de encontrar-se como veículo para aquilo que intencionava dizer. Esse monólogo de Fortaleza, passa a limpo a biografia de um diretor teatral cearense, Waldemar Garcia (1902-1985), com o ator Ricardo Guilherme, discípulo deste pioneiro da renovação teatral no Nordeste. O que torna esse quase recital – o ator interpreta diante de um microfone, com a ajuda da leitura do texto – é o registro da passagem.do tempo para os que se dedicam à transitoriedade da criação teatral. Se Waldemar, em algum momento, foi considerado ultrapassado, os seus seguidores também experimentarão igual julgamento. É mais um lance do jogo do tempo na sua inexorabilidade, que se manifesta tão cruelmente na criação artística.
A produção teatral de Brasília também integra a programação da mostra, com alguns exemplares da cena local. O destaque no Cena Contemporânea  está com Heróis, O Caminho do Vento, texto do francês Gerald Sibleyras, que reúne três veteranos de guerra num asilo, que se espicaçam em sua senilidade solitária. Texto bem construído, dentro das convenções poético-realistas, é a oportunidade para atores desenvolverem composições, e para que o diretor os conduza com discreta intervenção. É o que acontece na direção de Guilherme Reis, suavemente linear e com apontamentos de música e pausas para marcar os diálogos, entre o humor e a melancolia. Nas interpretações, João Antônio, William Ferreira e Chico Sant Anna acentuam o humor, quebrando qualquer peso que possa dominar a narrativa. A atmosfera melancólica, no entanto, fica prejudicada.       

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sábado, 27 de agosto de 2011

Festivais

Cena Contemporânea  
Shakespeare e Imigrantes no Planalto

Cena Contemporânea


Shakespeare e Imigrantes no Planalto 


Circo sertanejo do vilão Ricardo
Foi dada a partida para a décima segunda edição do Festival Internacional de Teatro de Brasília com 31 montagens nacionais e internacionais, reunidas em torno do amplo conceito de  “multiplicidade”, o que deixa espaço a participações tão diversas em que cabem espetáculo de visualidade dominante, teatro-dança, experimentalismo ingênuo e concepções vigorosas. A mostra mantém em mais este ano, a integridade de que atira em várias linguagens, mirando, menos a originalidade, e mais a criação de identidade própria, demonstrando relativa independência curatorial em relação aos seus congêneres. Esta identidade, se manifesta com maior ênfase na programação internacional, com a vinda a Brasília de montagens de países pouco frequentes em festivais brasileiros, como México, Espanha, Dinamarca, Austrália,Polônia e Coréia do Sul. Já entre as nacionais, a maioria delas já percorreu outras mostras, sem que nenhuma estréia na capital federal, nem mesmo os espetáculos locais. Sua Incelença Ricardo III do grupo potiguar Clowns de Shakespeare que abriu o Cena Contemporânea, como havia feito em abril no Festival de Curitiba. A escolha desta encenação de Gabriel Villela foi certeira pela reação que provocou na platéia nos dois dias em que foi apresentada, e pela localização no espaço do Museu da República, junto à Esplanada dos Ministérios. O picadeiro belamente mambembe, onde transcorre a tragicomédia de um Ricardo nordestinamente circense, tem como pano de fundo os traços da Catedral de Brasília, estabelecendo contraste que acrescenta outra dimensão dramática ao espetáculo. O grupo do Rio Grande do Norte, com 17 anos de fundação, transcreveu a vilania do personagem shakesperiano para o clownesco e a grandiloquência do circo-teatro. Justificando, explicitamente, o seu nome, o grupo incorporou o universo nostálgico-visual de Gabriel Villela, refinando com  poética ingênua, a tragédia que se concretiza em interposta narrativa. Não é mais a tragédia clássica, menos ainda reinterpretação à procura de dar outro sentido ao trágico, mas o desenvolvimento de linguagem sobre  a  qual se constrói a cena. As máscaras e a música, as pantomimas dos palhaços e a ourivesaria da estética sertaneja, desestruturam o ritualismo do teatro clássico e o sombrio do elizabetano para retomar a representação como uma experiência formal, que se erige como um valor em si mesmo. Nada se perde, algo se acrescenta. Shakespeare não sai diminuído, e a imagética e o universo de Gabriel Villela se confirmam. E a platéia se encanta.
Em outro extremo, o Teatro Línea de Sombra, do México, apresentou Amarillo, performance-instalacão-dramática em enquadramento sócio-político. O impacto visual já se revela ao entrar na sala, quando a platéia se defronta com enorme painel-muro branco. O palco despido, com as coxias visíveis, vai sendo ocupado por gestos mecânicos dos atores, galões de água se distribuem plasticamente no espaço, dezenas de sacos de areia, com o painel de fundo agigantando-se na sua impenetrabilidade opressiva.  Amarillo, a cidade texana, ponto de atração para os emigrantes ilegais mexicanos, não é somente alvo de esperança de uma melhor sobrevivência, mas geografia da impossibilidade de existir. O imigrante se descobre alguém que não existe. A falência das origens, obscurece as perspectivas de futuras afirmações identitárias. O apagamento do que se deixa na partida, continua na duvidosa e improvável chegada. O que poderia ser um teatro político raivoso e sectário, se torna instalação cênica que usa meios expressivos sofisticados, através dos quais, o desaparecimento do humano por razões políticas ganha discurso intermediado por sensível recriação do real. Pulsante, Amarillo dá dimensão contemporânea ao intervencionismo do teatro político, revigorando-o.
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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

32ª Semana da Temporada 2011


Duas Montagens em Final de Temporada


Crítica/ Trabalhos  de Amores Quase Perdidos
Triangulação entre amor e acaso
É como um rito de passagem, etário e autoral, para Pedro Brício. Ao escrever sobre “o amor e o acaso”, em cartaz no Espaço Cultural Sergio Porto, transpõe o limite imaginário para o ingresso na idade adulta, quando as escolhas se fazem mais consequentes e os afetos menos circunstanciais. E a apoiá-lo nesta travessia, a desestrutura da narrativa, personificada como meio expressivo geracional. Três amigos, que misturam desejos e certezas, vivendo impulsos amorosos, se descobrem, sem que saibam de onde vem o baque, desarmados de suas vontades e lançados em incertezas. De repente, nada é mais o mesmo. O tempo nos muda, a memória é realidade dolorida, os sentimentos se resumem a perdas, e o futuro, uma projeção, levemente idealizada, de ganhos desconhecidos. Nessa tessitura de emoções, uma narradora participa dos volteios de aproximações e afastamentos. Pedro Brício demonstra carinho pelos personagens, como se fossem fragmentos compilados de manual de sensações vividas por quem está diante do esgotamento do fim das primeiras duas décadas de suas vidas. Na transposição para o palco, o diretor Pedro Brício manuseia a sua dramaturgia com igual habilidade com que armou a sua escrita. Deixa visível o rascunho do texto, como se os  quadros se estruturassem à frente da platéia, orquestrando-se como ensaio geral. Esse efeito desconstrutivo, vai se desenhando ao longo da encenação, amoldado o ritmo da ação interior. No quarteto de atores, integrados à proposta do autor-diretor, as atrizes – Lucia Bronstein e Branca Messina – se destacam um tanto mais do que os atores – João Velho e Pedro Henrique Monteiro.        


Crítica/ Novecentos
Viagem em direção a destino imutável 
Ao personagem de Novecentos foi-lhe atribuído este estranho nome, o mesmo do título da montagem em cartaz no Misdrash Centro Cultural, no Leblon, assim como estranha foi a permanência, toda sua vida, num transatlântico. De lá, onde nunca saiu, era destacado pianista. Estabeleceu na mobilidade das viagens sucessivas, a imobilidade de manter a decisão de jamais descer à terra. O que criou para si, naúfrago de nascimento, abandonado, não se sabem por quem, e depositado sobre o piano do salão de festas, foi o solitário da humanidade passageira. O intocado pelo mundo exterior, sobrevivente definido pelo seu nascedouro. A história desta figura circunscrita à sua própria geografia física e emocional, se transforma em monólogo assinado pelo italiano Alessandro Baricco, que o diretor argentino Victor Garcia Peralta trata em tom intimista, exigido pelo formato e pela proximidade da platéia com o ator. A sala do Midrash dispõe de apenas 50 lugares. A luz de Maneco Quinderé é acessório importante na dramática do espetáculo, muito simples e despojado, com o ator no centro da cena. Isio Ghhelman, que se distribui entre o papel do “naúfrago” e do trompetista, interpreta com sutis mudanças de tom a quase fantástica fábula de um homem em constante viagem em direção a destino imutável.   


O Que Há (de melhor) Para Ver
Chico Diaz: atuação límpida e inteligente
A Lua vem da Ásia -  A ficção de Campos Carvalho é um modo de recriar universo atropelado por inconclusões e por visão um tanto niilista da existência. O diretor Moacir Chaves empresta ao monólogo um caráter múltiplo, conduzindo os espectadores pela jornada de alguém percorrendo dúvidas. Com o vigor do peito aberto e o patético de um vagabundo que evoca Beckett, Chico Diaz transmite com ironia e sensibilidade o “sentimento do mundo” construído por Campos de Carvalho, numa atuação límpida e inteligente. Teatro Sesi.

R&J  de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para um grupo de alunos de um colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos.Teatro do Leblon.
  
Um Violinista No Telhado - Baseado na cultura judaica, fixada no microcosmo de uma aldeia russa, no início do século XX, o musical ganha versão com igual rigor de realização que Charles Möeller e Cláudio Botelho têm mantido nas suas montagens. Com a mesma capacidade de selecionar os elencos, dos protagonistas às crianças, a dupla acerta, uma vez mais, no harmonioso e eficiente coletivo de atores, cantores e bailarinos, e na ótima direção musical e na orquestra. Oi Casa Grande


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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Fernanda no Dulcina



Por apenas três dias – de sexta (19/8) a domingo (21/8) -, integrando a programação de reabertura do Teatro Dulcina, depois de reforma que reintegrou a tradicional casa de espetáculos aos melhores endereços teatrais do Rio, Fernanda Montenegro volta com o monólogo Viver Sem Tempos Mortos. Vale a pena revisitar esta montagem com uma Fernanda de posse de suas melhores qualidades, exercitadas com econômicos e amadurecidos meios expressivos. 

Revisão Crítica/ Viver Sem Tempos Mortos

Os acasos da existência, a liberdade e a tessitura da convivência, o desejo e a razão, o passado da moça bem comportada, o sexo segundo as épocas, o tempo de uma vida, estão condensados em 60 minutos num depoimento sobre sentimentos e evocações de Simone de Beauvoir. Viver Sem Tempos Mortos é um solo de Fernanda Montenegro que marca encontro teatral com Simone de Beauvoir através da palavra, que despida de envólucros dramáticos, se apresenta na essencialidade dos sentidos, interpretada com o ascetismo da interioridade. Não há desperdícios em efeitos e áreas de escape, tanto para a atriz quanto para a platéia, que frente a frente, se enredam na exposição dos textos selecionados nos escritos da autora, compondo relato sem espaço para devaneios enganosos e baixas de guarda de si mesma. Uma vida, definitivamente, sem tempos mortos. Neste retrato falado, monólogo revelador da intensidade com que a palavra captura uma biografia, perpassam a origem burguesa de Simone, os seus encontros intelectuais e amorosos, o feminismo e o ambiente politico da ocupação da França, mas a voz que predomina é a que descreve a sua ligação, até depois da morte, com Jean-Paul Sartre. O texto, carregado de informações, procura ser digerível para qualquer público, em especial para aquele que desconhece Simone de Beauvoir, mas sem nenhuma pretensão didática ou de registro biográfico. A emoção, que se insinua por entre o despojamento confessional, se manifesta com sutileza na costura do roteiro, assinalando com inteligente contenção, o fulgor da escrita. A direção de Felipe Hirsch centraliza na atriz e apenas nela, o foco da montagem. Despido, sem adereços, com uma cadeira e iluminação fixa, o palco negro ambienta as palavras, da autora e da atriz, elas, sim, as personagens da encenação. Cada palavra ressoa com seu eco interior, em pausas e silêncios que contrabalançam as intensidades, sem o dramatismo de ênfases e a frieza da racionalidade. Não há tempos mortos, mas não há, igualmente, grandes momentos, apenas suave sussurro de teatralidade pulsante. Fernanda Montenegro, em instante algum, pretende “representar” Simone de Beauvoir, seja pela composição, seja por qualquer mimetismo visual. Simone se manifesta numa Fernanda economicamente emocional e francamente sincera, projetada numa atriz com domínio da artesania interpretativa e segurança sedimentada dos seus meios expressivos. Fernanda se esgueira pelos escaninhos das palavras, para trazer as suas sonoridades à cena, musicalizadas pelas entrelinhas da emoção. Conduzindo a platéia pela terna vertigem de uma vida, Fernanda Montenegro com minimalismo de recursos, reafirma a grandeza de uma carreira. Atuação irretocável e maduramente contemporânea.


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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

31ª Semana da Temporada 2011


Musicais Cantam Ídolos


Crítica/ Tim Maia – Vale Tudo, O Musical
Tiago Abravanel recria, física e vocalmente, personagem excessivo
O musical sobre o cantor e compositor, que está em cena no Teatro Carlos Gomes, tem origem no livro de Nelson Motta Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia, lançado há três anos. Um robusto best-seller. Na versão teatral, o mesmo Motta, ao lado do diretor João Fonseca, transcreveu para o palco a detalhada biografia, que acompanha com minúcias as peripécias de uma existência nada convencional. Se em livro, com texto escorreito e pesquisa diluída pela convivência do autor com o biografado, a leitura transforma em leveza a curiosidade voyeur sobre vida tão criativamente atribulada. No palco, no entanto, a perspectiva se torna um tanto menos leve. Aparentemente, Nelson Motta pretendeu incluir a maior parte das informações contidas no livro, e no que deveria ser um roteiro de integração texto-cena, acaba por ser uma compilação desmedida de casos sem o devido balanço narrativo. Todo narrado, não se tira partido da intensidade dramática em favor da excessiva voltagem e volume de histórias – algumas potencialmente ricas para o palco, outras apenas residualmente. Fica-se com a sensação de que não se quis perder nada, ou pelo menos, reduzir a perda ao mínimo para não se desintegrar a inteireza de uma obra. Mas o teatro é impiedoso nos meios de manipulação de sua linguagem. Enquanto no primeiro ato, detalhes que somente ilustram vida e carreira se estendem além do suportável acolhimento cênico, no segundo, aspectos relevantes da fase final de Tim, se medem pela capacidade do espectador de ultrapassar a já longa duração do espetáculo. No total, três horas, com dez minutos de intervalo. Mesmo com o repertório conhecido da platéia, que se deixa levar e canta, várias vezes, junto com o elenco, a estrutura da narrativa se desequilibra por essa desarmonia entre informação e tempo. Mais se torna menos. As músicas se introduzem com espontaneidade no fluxo da montagem e os atores defendem vocalmente muito bem as suas participações. A quantidade generosa  de cenas e o formato descritivo do texto, levaram o diretor João Fonseca a criar múltiplos gadgets cênicos para preencher, ilustradamente, o que precisava ser representado. Uma vez mais, o excesso se transfere para a direção. No cenário e figurinos de Nello Marese também se avolumam em detalhes dispensáveis. Enquanto no figurino, a multiplicação de roupas segue disciplinadamente cada uma das épocas, os adereços são, deliberadamente cafonas, e o cenário, funcionalmente sombrio, explodindo apenas na cena da discoteca, a melhor do espetáculo. Os ótimos cantores, se mostram menos sensíveis como atores. Na caracterização de nomes conhecidos (Elis Regina, Roberto e Erasmo Carlos, Carlos Imperial, Edu Lobo) se adota linha caricatural, que apesar da coerência com o espírito geral da montagem, nem sempre resulta. Tiago Abravanel como Tim Maia em composição física e vocal que, mais do que reviver o cantor, recria interpretativamente a imagem de um personagem peculiar, é o merecido destaque.                       


Crítica/ Emilinha & Marlene – As Rainhas do Rádio
Figurino e gestos não evocam celebridades pioneiras
Na era do rádio, dos anos 40 aos 60, a rivalidade, fabricada ou não, entre as cantoras Emilinha Borba e Marlene dominava as ondas da Rádio Nacional e as páginas da Revista do Rádio. Este golpe de marketing, anterior à sua sistematização, perdura até hoje como um dos símbolos da veiculação radiofônica de idolatria popular. O texto de Thereza Falcão e Júlio Fischer para o musical em cartaz no Teatro Maison de France intenta capturar esse fenômeno através de pesquisa sobre a carreira da dupla, procurando estabelecer os pontos na disputa, entre elas e os fãs, pela supremacia de alguma delas. Para caracterizar essa interminável e até hoje irreconciliável contenda, os autores decidiram centrá-la na adesão de duas irmãs, uma emilinista, outra marlenista, que ao desfazerem a casa da mãe, morta recentemente, vão desfiando histórias sobre suas preferidas. E seguem-se informações biográficas que se misturam a picuinhas da vida das irmãs, num paralelismo ingênuo e dramatização rudimentar. Esse elemento deflagrador para a história das rainhas do rádio, é o recurso narrativo, sequencial e cronológico, de contar as carreiras e um tanto da vida de ambas, e pretexto para introduzir o repertório musical. O desinteressante diálogo das irmãs e a fraca transposição dramática da pesquisa, impedem que o espírito da época e o furor dos fãs-clubes sejam vistos em cena. E sem o cenário ambiental e base cênica mais consistente, fica-se diante de um relatório/ registro de algo apenas curioso. A direção Antonio de Bonis caminha no mesmo rumo do texto, requentando os dados factuais com igual exterioridade com que são relacionados, e sem qualquer observação que lance algum sentido menos circunstancial ao que está sendo narrado. Não basta que os figurinos de Rosa Magalhães reproduzam, quase como cópias perfeitas, aqueles usados pelas cantoras, e que as atrizes mimetizem trejeitos das personagens originais para que se imponha espaço evocativo. Texto e montagem reduzem Emilinha e Marlene a imagens, acreditando que tanto mais se copie as originais, tanto menos se disfarçam os precários meios de se desenhar os contornos teatrais. No elenco, em que Angela Rebello e Rosa Douat emprestam pouca veracidade interpretativa às irmãs, Stella Maria Rodrigues se distribui por vários papéis (Dulcina, Eneida, Ângela Maria) em intervenções em tom intenso demais. Cristiano Gualda também reproduz a intensidade da companheira de elenco. Cilene Guedes e Mona Vilardo compõem o coro, ao lado de Luiz Nicolau e Ettore Zuim, com participações em pequenos papéis. Cédric Gottesmann faz apenas uma aparição. Vanessa Gerbelli, como Emilinha, se mostra contida, sublinhando algumas dos traços da cantora, mas mantendo distância do aspecto popular da cantora. Já Solange Badim, como Marlene, adota linha decisivamente mimética, retratando os gestos e os erres acentuados das intérpretes do período. Mas a atriz, ao reproduzir o caráter explosivo de Marlene, não se limita a imitá-la. Imprime tom, inteligentemente, crítico.

            
O Que Há (de melhor) Para Ver

R&J  de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para um grupo de alunos de um colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos.Teatro do Leblon.

A Lua vem da Ásia -  A ficção de Campos Carvalho é um modo de recriar universo atropelado por inconclusões e por visão um tanto niilista da existência. O diretor Moacir Chaves empresta ao monólogo um caráter múltiplo, conduzindo os espectadores pela jornada de alguém percorrendo dúvidas. Com o vigor do peito aberto e o patético de um vagabundo que evoca Beckett, Chico Diaz transmite com ironia e sensibilidade o “sentimento do mundo” construído por Campos de Carvalho, numa atuação límpida e inteligente. Teatro Sesi.
  
Um Violinista No Telhado - Baseado na cultura judaica, fixada no microcosmo de uma aldeia russa, no início do século XX, o musical ganha versão com igual rigor de realização que Charles Möeller e Cláudio Botelho têm mantido nas suas montagens. Com a mesma capacidade de selecionar os elencos, dos protagonistas às crianças, a dupla acerta, uma vez mais, no harmonioso e eficiente coletivo de atores, cantores e bailarinos, e na ótima direção musical e na orquestra. Oi Casa Grande

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terça-feira, 9 de agosto de 2011

Outros Palcos


Brasília

Realismo mágico ao lado do poder do cerrado
A atividade teatral na capital do país reflete bem a geografia cultural da cidade. Com o Plano Piloto com alto poder aquisitivo, o teatro nesta área – as cidades satélites gravitam em torno de suas próprias manifestações importadas das regiões de origem dos migrantes – se ressente da escassa memória coletiva da população de cidade de apenas 50 anos. Mas a atividade teatral em Brasília se mantém ativa, apesar dessas condicionantes tão ligadas à sua invenção urbanística quanto à proximidade do poder central e ao sentimento de transitoriedade que paira sobre os seus habitantes. Dois pólos de formação, a Fundação Brasileira de Teatro, levada do Rio pela atriz Dulcina de Moraes para a sua implantação definitiva em Brasília, na década de 70, e a Universidade de Brasília, mantêm cursos de formação na área teatral, que alimentam os grupos que atuam na região. Ainda que dispersos em pequenos núcleos, sem muita continuidade, se distribuindo em produções eventuais, esses coletivos, frágeis em estrutura de produção, procuram se sustentar em montagens que se oferecem ao público em temporadas curtas. O diretor Guilherme Reis responsável pela curadoria e realização do festival Cena Contemporânea, que no dia 23 inicia a sua 12ª edição, registra este ano 70 montagens de Brasília que se candidataram à participar da mostra. Tal volume reflete produção vasta, ainda que alguns espetáculos já tenham sido apresentados há algum tempo, o que evidencia a medida do consumo represado. Mas essa produção, a julgar pelo que pode ser visto fora dos limites locais, nem sempre corresponde, artisticamente, ao número de espetáculos. Quem já assistiu a montagens dirigidas por Hugo Rodas, um uruguaio há mais de três décadas em atividade, como professor e encenador, em Brasília, pode constatar a qualidade e coerência estética de seu trabalho cênico. Ao assistir a montagens dos irmãos Guimarães (Adriano e Fernando) é possível constatar o nível de sofisticação e refinamento de seu teatro, em especial nas montagens baseadas em textos de Samuel Beckett. Ou ter constatado, no início deste ano, em apresentações no Espaço Sesc carioca, as possibilidades investigativas da diretora e atriz de Miriam Virna, que trouxe da capital do país a sua interessante versão para o romance de Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo, que no teatro recebeu o título de Admirável e Só Para Selvagens. Até recentemente estava em cena Entrepartidas, versão circulante de encenação de Francis Wilker e dramaturgia de Jonathan Andrade, que propunha ao espectador, percorrer, com paradas bem marcantes, o mapa afetivo de partidas sem chegadas. Saindo de ônibus, o público, já de início, é provocado por  situação inesperada que antecede a sua entrada no veículo. No caminho, captura imagens dos personagens, que encontrará em seguida, soltos na paisagem agreste e escura do caminho. Ao chegar à parada do ônibus, o primeiro impacto. Descobre-se estar em Vila Planaltina, vilarejo a 200 metros do Congresso Nacional, com  pracinha e coreto, casario de baixa classe média, em ambiência que estabelece contraste, econômico e social, com a imponência da Praça dos Três Poderes, logo ali do lado. Nessa impressiva Macondo brasiliense, cenas se desenrolam em meio a poemas, de Fernando Pessoa a Elisa Lucinda, desvendando angústia de doentes terminais, desencontros de afetos perdidos e abandonados, ou miragens de meninos de rua. Entra-se em casas, vislumbram-se partidas definitivas em prosaica bicicleta, revela-se imagem de um menino num telhado, lembrança de um quadro de Chagall, perdido no cerrado. 
Entrepartidas é um espetáculo que ultrapassa as suas características regionais pelas possibilidade que oferece a olhos forasteiros. Surpresa de descobrir o onírico em paisagem circundante magicamente agreste e realisticamente contrastada.Ainda que Entrepartidas não esteja na programação do Cena Contemporânea (seria uma oportunidade para o público de fora se envolver nesta ácida demonstração de realismo mágico), alguns outros espetáculos de Brasília compõem a programação. A ênfase, no entanto, desta mostra internacional são os convidados estrangeiros. Entre os destaques, o grupo dinamarquês Teatro OM, com 79° Fjord, e o australiano Acrobat, com Propaganda.                                                

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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

30ª Semana da Temporada 2011


Crítica/ Turbilhão

Domingos de Oliveira, autor e diretor de Turbilhão, em cartaz no Teatro Sesc Ginástico, estabelece sua trajetória como dramaturgo e encenador através da constância e da variação do seu universo criativo. Se monta textos de pretensões filosóficas, equilibra-os com comédia de costumes, sucedidas por narrativas com impressões biográficas e comportamentos sociais. Os gêneros se distribuem em cada um dos seus textos como forma de encontrar a expressão ajustada ao tema. Nesta nova peça, a qual Domingos acrescentou o subtítulo de Jogos da Paixão e do Acaso, e criou a palavra teatrocine para definir seu estilo, o que melhor a aproxima de sua realização cênica é o espírito de comédia romântica à maneira do cinema hollywoodiano. A psicanalista, nada ortodoxa, que franqueia o seu consultório aos pacientes com liberalidade que confunde o método terapêutico com a vida particular dos analisandos, se enreda na paixão dupla por pai e filho. Sem que saibam, um e outro desconfiam da existência de um duplo na relação, alheios, a princípio, de quem os aproxima. Adotando tom de humor suave, com alguns diálogos de sabor agridoce, o autor desenvolve comédia que, no entanto, se enfraquece pela previsibilidade da trama. O diretor encontrou nas projeções, mais uma solução cenográfica do que propriamente linguagem narrativa. Ainda que em algumas cenas essas projeções ganhem  relativo destaque, na maioria  das vezes são apenas decorativas. Luana Piovani, uma bela figura no palco, demonstra segurança e presença interpretativa, que servem bem à improvável psicanalista. Jonas Bloch também circula com desenvoltura pelo pianista apaixonado e como evocação paterna, enquanto Pedro Furtado tem atuação correta como o filho. Duaia Assumpção vive com bom  humor o permanente estado etílico da cantora decadente. Fernando Gomes faz um divertido paciente, e José Roberto Oliveira e Moisés Bittencourt têm participações menos destacadas.


Crítica/ Todos Os Cachorros São Azuis
O sentimento da vida entre a coreografia das grades
O romance que inspirou a adaptação cênica de Todos Os Cachorros São Azuis, em cartaz no Teatro do Planetário, é a exposição de como a doença mental repercute na existência de quem mergulha em seus meandros insondáveis. A recriação literária de experiência profunda e indissociável da vida que circula por vias atormentadas da alma, e sofre com a impossibilidade de se integrar ao real. Rodrigo Souza Leão, autor do livro e esquizofrênico na avaliação psiquiátrica, escreve que há os que sabem viver, mas que aqueles que não o sabem, “têm apenas o sentimento da vida”. É esse sentimento da vida, interferido, doloroso, incompreensível, que as páginas do livro refletem e a versão teatral de Flávio Pardal, Michel Bercovitch e Ramon Mello reproduzem no palco. No desabafo, quase lamento, a voz vem do fundo de um grito surdo, que procura alcançar a própria região tortuosa de onde partiu. O diretor Michel Bercovitch orquestrou essa pulsão nervosa como um coral de cinco vozes, que se harmonizam na angústia de falar para o outro de si mesmo, sem se compreender, a não ser por fragmentos de um canto dissonante e descontínuo. Bercovitch distribui a palavra única pelo elenco, fracionando a fala para encontrar a unidade do sentimento. A direção de arte de Rui Cortez, que utiliza grades, que são movimentadas pelos atores, numa coreografia que acompanha os diversos momentos do aprisionamento e amplia a desconstrução do ego. A iluminação de Tomás Ribas apóia essa cenografia coreografada. Do elenco, as atrizes Bruna Renha, Camila Rhodi e Natasha Corbelino estão menos integradas à ambientação tensa da montagem do que os atores Ramon Mello e Gabriel Pardal, este com atuação mais íntegra e de maior intensidade.     


Cenas Curtas

Já está no ar o site www.teatronteroi.com.br que recupera  a história do teatro em Niterói, registrando a vida cênica da cidade, desde a formação dos grêmios dramáticos, no século XIX, até os dias de hoje. Com depoimentos de uma centena de atores, diretores, produtores e edição de imagens, cartazes, programas e videos, o veículo digital é um guia de fontes de documentos e de peças teatrais encenadas na cidade, como o musical Araribroadway, de 1981. As informações dos próprios profissionais sobre as montagens produzidas são cronologicamente listadas. O site, através de mecanismos de busca, inserção de fotografias, artigos, teses e informações biográficas, é fonte de pesquisa e será mantido em permanente atualização.

Com os editais patrocínios avaliados e as verbas sendo distribuídas, o teatro carioca está se inflando de produções sem o corresponde espaço para apresentá-las. Faltam casas de espetáculos para abrigá-los, o que obriga a temporadas cada vez mais curtas, algumas de apenas três semanas, outras de apenas dois dias na semana. Mas, lentamente, o panorama está mudando. Enquanto o Teatro Gláucio Gill é reaberto, depois de reforma, o Tereza Rachel foi arrendado por empresários que pretendem reintegrá-lo à cena carioca. O Teatro Villa-Lobos passa por remodelação de raiz, e deve ser reaberto ainda este semestre. O Dulcina, inteiramente restaurado, depois de um mês de programação especial de reinauguração, será ocupado, a partir de setembro, por companhia escolhida através de edital da Funarte. E o Teatro Ipanema, que vive melancólico processo de decadência artística, está sendo negociado para ser vendido à Prefeitura do Rio. Ainda ficam a definir, por entidades públicas e privadas variadas, o destino do Serrador, Mesbla, Manchete, Glória, Arena, Galeria, Copacabana, Barra, Fênix, Cidade, Delfin, Santa Rosa, BarraSopping, e das salas que deveriam ser construídas em shoppings centers, obrigação de lei municipal que parece não ter pegado.


Foram selecionados os finalistas do primeiro semestre da temporada 2011 do 24° Premio Shell de Teatro. Nas nove categorias foram escolhidos: autor: Pedro Brício (Me Salve, Musical) e Felipe Rocha (Ninguém Falou Que Seria Fácil); diretor: Gabriel Villela (Crônica da Casa Assassinada) e Daniel Herz (Adultério); ator: Charles Fricks (O Filho Eterno), José Mayer (Um Violinista no Telhado) e Gilberto Gawronski (Ato de Comunhão); atriz: Débora Olivieri (Rosa) e Letícia Isnard (A Estupidez); cenário: Fernando Mello da Costa (Um Coração Fraco), Márcio Vinícius (Crônica da Casa Assassinada) e Lipiani e Lidia Kosovsky (Um Dia Como Os Outros/ Cozinha e Dependência); figurino: Gabriel Villela (Crônica da Casa Assassinada) e Flávio Graff (Outside); iluminação: Aurélio de Simoni (O Filho Eterno) e Domingos Quintiliano (Crônica da Casa Assassinada); música: Marcelo Castro (Um Violinista no Telhado) e João Bittencourt e André Aquino (R&J de Shakespeare): categoria especial: Márcia Rubin pela direção de movimento dos espetáculos Escola do Escândalo, O Filho Eterno, A Lua Vem da Ásia e Outside; e Teatro de Pequeno Gesto pela publicação da revista Folhetim dedicada a Nelson Rodrigues e sua manutenção ao longo de 13 anos.

                                                         macksenr@gmail. com