Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (24/1/2018)
Crítica/ “Bibi –
Uma vida em musical”
Vozes cantam uma biografia |
Um musical que tem como subtítulo a palavra vida,
completando o nome da biografada do título, antecipa o valor da pesquisa
historiográfica. Mas não só. Para acrescentar à sequência temporal, e imprimir
a fatos cenário mais amplo, os autores Artur Xexéo e Luanna Guimarães
introduziram o circo como elemento narrativo, evocando o legado materno. O
teatro, da estirpe paterna, segue a carreira em paralelo, enquanto a trilha
musical é balanceada por canções populares. A Bibi Ferreira que aparece neste
musical ganha a mesma dignidade de sua trajetória artística, com traços das
tradições da formação e comentários reverentes à sua atividade intensa. De
caminho tão extenso e ainda atuante, a atriz-cantora-diretora é apresentada em
formatos cênicos aos quais emprestou vivacidade, humor, dramaticidade e
empatia. Nos dramas de circo e nas comédias ligeiras, se concentram os arranjos
familiares. Nos musicais, a presença e o talento desbravador para os importados
da Broadway. No teatro político, a relação amorosa que a lança contra a
censura. Nos shows, a versatilidade de interpretar cantoras e repertórios.
Neste painel de nove décadas de vida e sete de carreira, é difícil escapar da
atração de incluir detalhes e alongar quadros, em favor de uma visão larga de
artista múltipla. Ao ceder ao apelo, o espetáculo se estende por três horas,
com intervalo, sem comprometer o envolvimento da plateia com a fluidez das
cenas. O primeiro ato, prolongado pelas minúcias, ganha no segundo,
concentração e ritmo, que se complementam para buscar a mesma sintonia vibrante
da personagem histórica do teatro brasileiro. Tadeu Aguiar acomodou a direção
ao compasso tradicional, indicado por texto e trilha. A montagem desliza, suave
e atrativa, sem maiores arrebatamentos ou exaltações, seguindo o padrão do bom
acabamento. O cenário de Natalia Lana cria com telões e guirlandas de luzes,
efeitos visuais para cada um dos estilos de teatro retratados. Rogério Wiltgen
assina competente desenho de luz. Os figurinos de Ney Madeira e Dani Vidal
formam conjunto colorido e harmonioso de épocas e tendências. Na coreografia, e
em especial na direção de movimento dos atores que interpretam Bibi e Procópio,
Sueli Guerra referenda seu bom trabalho. A música original de Thereza Tinoco
traz letras de apologia ao teatro. O elenco desempenha em grupo com maior
eficácia. O trio de narradores – Leo Bahia, Rosana Penna e Flávia Santana –
conduz a ação com alguma hesitação. Os personagens reais, como Cacilda Becker,
Ítalo Rossi, Maria Bethânia, Henriette Morineau são dispensáveis pela
dificuldade de figura-los e pela banalidade da citação. Os parentes de Bibi –
Chris Penna (o pai Procópio) e Simone Centurione (a mãe Aída) – reproduzem pela
imagem de um, e o sotaque de outra, a alusão ao convívio. Amanda Costa compõe
Bibi Ferreira com movimentos sugestivos e tonalidade de inspiração na original.
A atriz é hábil na referência e fina na citação, numa performance que estimula
a adesão do espectador a se divertir com “uma vida em musical”.