quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Temporada 2018

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (3/1/2018)

Crítica/ “Se meu apartamento falasse”
Uma comédia musical sessentona

Como o filme de Billy Wilder, no qual é baseada a comédia musical com roteiro de Neil Simon e música de Burt Bacharach, a trama e a trilha sonora parecem ter ficado na década de 1960. Quando da estreia em Hollywood        e da transposição para a Broadway, as pretensões do humor na tela eram outras, e a linguagem de palco já apontava para avanços no gênero. Hoje, tanto no cinema quanto no teatro, “Se meu apartamento falasse” é apenas  registro da manufatura de produto, planejado e acondicionado pela indústria do entretenimento para plateias daquela época. O interesse em produzir esse musical na atualidade está mais ligado à nostalgia da sua trilha sonora do que na atenção ao seu prazo de validade. Relembrar hits de Bacharach seria suficiente para compensar a desgastada costura narrativa de Simon? Talvez não completamente, mas bastante para medir o artesanato da dupla Charles Möller (direção) e Claudio Botelho (versão brasileira) na importação de modelos do eixo Nova Iorque-Londres. Bem feito, ultrapassando barreiras culturais e cultuando o repertório musical, o espetáculo revive, sem reciclar, material vencido, ativado por empenhada realização. A desafiante versão das letras, mais uma vez resolvida com competência, esbarra na aparente dissonância rítmica das canções mais descritivas. A conhecida “I”ll never fall in love again” é bem traduzida por “Eu juro que não quero mais”, e o jogo de rimas de “Turkey lurkey time” ganha divertidos trocadilhos natalinos ao ser aportuguesada para “Festa do peru”. A orquestra de oito músicos, com regência e direção musical de Marcelo Castro, encorpa as canções, valorizando suas melhores qualidades. A cenografia de Rogério Falcão de desenho pouco inventivo, é limitada por precária skyline de Nova Iorque ao fundo e ambientes perdidos no espaço cênico. Os figurinos irregulares de Marcelo Marques procuram situar os anos 60. Marcelo Medici tem a responsabilidade de ser o protagonista do musical, e a escolha não deve ter sido por sua extensão vocal. Ainda que caracterize a ingenuidade do funcionário em busca de promoção por via transversa, o ator se contrai como cantor. Malu Rodrigues, com voz límpida e educada para as partituras de musicais, tem melhor presença como cantora do que como atriz. André Dias marca sua atuação com domínio de corpo e voz em registro de humor. Maria Clara Gueiros carrega na composição da mulher bêbada e Jullie exagera na enfermeira. Discreto, Marcos Pasquim apaga a figura do empresário machista. O quarteto – Antonio Fragoso, Fernando Caruso, Renato Rabello e Ruben Gabira – torna divertida a canção politicamente incorreta que interpreta. O restante do elenco – Karen Junqueira, Patrick Amstalden, Caru Truzzi, Lola Fanucchi, Patricias Athayde e o ensemble de bailarinas – sustenta, com vigor, musical que perdeu vivacidade.