quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Temporada 2018

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (10/1/2018)

Crítica/“O princípio de Arquimedes”
Reflexos ameaçadores de uma suspeita


O valor que se atribui a uma força submersa é, para além de um princípio físico, uma possibilidade dramática para o catalão Josep Maria Miró. O professor de natação para crianças fica sob suspeita de assédio, ao ser acusado por uma menina de ter abraçado e beijado na boca um garoto. A coordenadora da escolinha procura esclarecer o que, efetivamente, aconteceu, em resposta à indignação dos pais e no desvendamento do significado do gesto de aparência duvidosa. As dúvidas movediças provocam terremoto de certeza, que acaba por soterrar a revelação da verdade. O autor caminha pelo terreno minado pela dubiedade que aponta, tanto para o justiçamento social, quanto para contradições individuais. Exposto a indícios que ampliam a pressão pela culpabilidade, o professor não admite a responsabilidade, mas não encontra meios de afirmar o que para ele é apenas atitude protetora. Miró argumenta no vácuo da ambiguidade, lançando perguntas diretas com respostas esquivas, em constante mudança de perspectiva e reiteração do tempo narrativo. As cenas se reproduzem em ângulos diferentes, acrescentando inteligente complexidade à avaliação do espectador. O público é conduzido a conflitos atuais (manipulação de fatos, arbítrio nas redes sociais, convívio social e privacidade), que expõem o atrito da vida cotidiana com o olhar planetário do ambiente virtual. O texto derrapa ao estender a presença da personagem feminina para além da sua participação como centro condutor da ação. O diretor Daniel Dias da Silva demonstra sensibilidade no tratamento do multifacetado diálogo com a indeterminação da veracidade. A montagem distende, com a sutil circularidade da cenografia de Cláudio Bittencourt, o eixo temporal da continuidade dramática. A rotatividade do que poderia ser considerado real, ganha, na mão firme do diretor, a dinâmica de um enfretamento provocante à plateia. Apenas na cena final, quando explode o decisivo e irascível acerto de contas, Daniel Dias tem dificuldade de atenuar a previsibilidade com que Miró conclui a trama. Cirillo Luna empresta nudez encoberta de indecisões ao professor marcado pelas aparências. Helena Varvaki está mais convincente no papel de quem procura a razão, do que na da mulher com triste história. Gustavo Wabner estabelece contracena na medida do que exige o personagem. Savio Moll representa, com indignação exaltada, a fúria dos pais.