quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Temporada 2016

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (17/8/2016)

Crítica/ “Decadência”
Gesticulação para sublinhar tempos vazios e espaços paralelos

A narrativa do inglês Steven Berkoff se concentra em dois casais que convivem em tempos vazios e espaços paralelos, vivenciando a saturação dos excessos e o estímulo para experiências com sexo e drogas em saciedade primária dos sentidos. Os casais mantêm proximidade num quadro de decadência moral, em que cada personagem representa uma segmentação da sociedade inglesa. Todos pertencem à elite, com algum substrato em outro patamar, e seu comportamento se circunscreve a um meio social e a um momento político que pretende refletir a Inglaterra dos anos 1980, quando o texto foi escrito. O que escapa à ambientação social e relembra drama burguês, é a ironia como o autor trata dos embates dos pares com o vazio de suas existências, relativizando a superficial e explícita carga crítica ao decadentismo. A projeção cênica deste texto de ações paralelas, em que dois atores interpretam quatro personagens, é o movimento que convenciona as duplicidades e aciona as diferenças. O diretor Victor Garcia Peralta construiu, ao lado da diretora de movimento Marcia Rubin, um espetáculo coreografado. Neste balé de cinismo, os gestos acompanham a impostação afetada que é dada às palavras, possibilitando aos atores exercício exploratório de interpretação física. Corpo e voz comentam as atitudes, em embate dissonante que harmoniza os contrários. Nem sempre esta opção permite perceber as mudanças de casais, menos afetadas pela reiterativa mímica gestual do que pelo progressivo desgaste do código. O despojamento da área de representação, reduz a cenografia de Dina Salem Levy  a um sofá-banco, único objeto na arena das disputas. A iluminação de Felipe Lourenço  é um tanto dispersiva para o necessário intimismo, e indistinta na precisa diferenciação das atitudes do quarteto de personagens. A trilha sonora de Átila Calache e Erom Cordeiro se mostra irrelevante. Os atores estão integrados à chave forma e som que comanda o dualismo descarnado da montagem. Aline Fanju sustenta a agilidade das transformações das duas mulheres, ainda que tenha dificuldades em assinalar a frivolidade de uma e a vulgaridade de outra. Erom Cordeiro tipifica melhor as reações físicas, tanto do cafajeste vulgar, quanto do amante entediado.