sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (12/8/2016)

Crítica/ “Os insones”
Sensações  de uma guerra urbana

A adaptação teatral de “Os insones”, romance de Tony Belloto, guarda do original a ingenuidade e o esquematismo nos personagens e na estrutura narrativa. A diferença entre palco e livro está na gradação. A história se concentra em Samora, jovem negro de família abastada, que deixa o apartamento no Leblon e sobe a favela, imaginado-se portador da justiça social e intérprete de causas revolucionárias. O contato com a liderança do tráfico no morro e a companhia da namorada que o segue provocam a mobilização de forças policiais e familiares no resgate do casal. As situações sumárias não permitem modular contradições sociais que se insinuam por entre discurso e ação políticas. Neste mural de traços carregados, sobressaem alguns riscos finos, na captação da temperatura alta e da tensa atmosfera de certa sensação coletiva urbana. A montagem de Erika Mader se volta para os aspectos mais exteriorizados da trama, sobrevoando o painel geral com cortes sucessivos em que os atores entram em saem de cena, como em seriado editado previsivelmente. A cenografia de Lorena Lima, que lembra icebergs em miniatura, atrapalha a movimentação dos atores, que ao lado do figurino de sugestão fashion de Bruna Perlatto, interfere na iluminação desenhada de Rodrigo Belay. A ideia de vigília, que o título informa, não se encorpa numa direção empenhada, mas com evidente inexperiência, demonstrada pela dificuldade em ambientar no teatro a indisfarçável referência a séries televisivas. A citação a ‘“A gaivota” de Tchekhov, já postiça no livro, se torna no palco, intrusa e inoportuna. O elenco reproduz em atuações desniveladas,  o ritmo do grupo. Lilian Rovaris e José Karini seguram diálogos convencionais. Guilherme Ferraz se esforça para convencer que foi Samora Machel (líder da independência de Moçambique) o inspirador do nome de seu personagem e de seus delírios libertários juvenis. Polly Marinho não convence como chefe do tráfico, mas pelo menos areja com humor a seriedade inalcançada da montagem.