Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (3/7/2016)
Crítica/ “A
reunificação das duas Coreias”
Sequência de situações numa leitura sem contornos |
São 17 cenas, independentes, autônomas, sem
qualquer elemento integrador a não se o que cada uma delas determina por sua
própria dramaturgia. O que expõem, são pequenos quadros do cotidiano que
capturam o absurdo das banalidades, a estranheza dos sentimentos e crueldades
sociais. Ao promover embates surdos de contrastes verbais, o autor Joel
Pommerat revisa o sentido da palavra, desencarnada do uso retórico e a qual atribui
ambivalências reveladoras. As dualidades dos combates demonstram que existe
unidade nos contrários, unificados pelo território militarizado da convivência.
E as escaramuças se espalham por gêneros teatrais, que fazem farsa do casamento,
drama de filhos, comédia do dinheiro, vaudeville do amor, melodrama da memória
e tragédia da faxina. Tais citações a estilos imperceptíveis surgem por entre perguntas
que não se responde, zonas obscuras que apenas se deixam entrever, histórias que
se contam parcialmente e o “amor que não basta” e acaba em tempestade. Com
refinamento nessa tessitura estilística, Pommerat amplia o detalhe na
diversidade do painel. O olhar se dirige ao traço fora do esquadro, e a ênfase
está na palavra entreouvida e nos vazios daquilo que já está preenchido. Esta
dramaturgia de tantas minudências, mas de aspecto abrangente, pode enganar os
encenadores. Em leitura mais apressada, o que emerge são as situações que se
desenrolam em sequência descontínua e ritmo acelerado. O diretor João Fonseca
caiu na armadilha da avaliação plana de um roteiro de contornos. As cenas têm
tratamento nivelado pelo que exibem, não pelo que poderiam revelar,
explicitando lacunas e certificando a percepção. A expectativa da plateia é a
de aguardar o próximo quadro pelo que possa trazer de mais intrigante, ao
contrário do que a progressão cênica tem de especificidade autoral. A
necessidade de uma cenografia móvel que ambiente os títulos que se sucedem, dá
a medida da aposta na ação narrativa, mais do que na contração do escondido. A
impressão é a de que o diretor desenhou uma comédia de absurdo, em voo rasante
sob superfície lisa e acomodada. Ao elenco é exigido que atue no mesmo plano de
padronização interpretativa. Os atores se empenham em mostrar situações, e não sublinhar o encoberto. Reiner
Tenente e Veronica Debom circulam como pontos de apoio em várias contracenas.
Gustavo Machado tem presença na cena da amizade. Solange Badim se volta ao
humor direto, enquanto Bianca Byngton explora comicidade algo irônica. Louise
Cardoso encontra o tom no quadro do valor. Marcelo Valle é quem se aproxima da
entonação rascante e dos atritos perversos da dramaturgia de Joel
Pommerat.