Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (20/7/2016)
Crítica/ “Gata em telhado de zinco quente”
Em 1955, quando escreveu “Gata em telhado de
zinco quente”, Tennessee Williams acrescentava às suas obsessões dramáticas a
homossexualidade de maneira mais explícita. O tema, tão sensível ao puritanismo
da época, se tornava o centro da trama em que a sexualidade, reprimida e em
permanente estado de tensão, eclode em uma família, marcada pela doença do
patriarca e a ambição da sua descendência. A narrativa se estabelece em torno
de sentimentos velados que afloram em impulsos, e chegam à superfície como
entrechoques de guerras interiores. O realismo psicológico do autor, baseado em
diálogos construídos com precisão e costurados sob um universo social de
contornos definidos, transforma os textos de Williams em exemplares bem
acabados do gênero. A “Gata...” se mantém íntegra como dramaturgia pela solidez
de sua estrutura, sem que acuse os arranhões do tempo. Se na época de sua
estreia provocou reações de falso moralismo, a atual revisão confirma as suas
melhores características e integridade formal. Eduardo Tolentino de Araujo,
coerente com sua trajetória de diretor, é de fidelidade absoluta à palavra do
autor e à limpidez de sua expressão. O diretor procura a contraluz dos
personagens sob o foco da sua ação real, criando com esse balizamento cênico,
uma tensão surda, carregada de subjetividades. Consegue sustentar a atmosfera
densa nos longos e, algumas vezes, distendidos confrontos, com minucias de um
olhar penetrante. Das poucas intervenções que fogem a este enquadramento, está
o cenário de Ana Mara Abreu e Alexandre Toro. Como se concentra no quarto de Maggie
e Brick, sob o teto da mansão rural do Paizão, o uso de grandes espelhos que
separam o cômodo da varanda, a funcionalidade dos painéis, expandem o
confinamento, e comprometem as cenas em que os personagens espreitam. O casal ambicioso
Mae e Gooper, interpretado por Fernanda Viacava e André Garolli, é menos satisfatório,
permitindo a dupla pouco mais do que explorar o papel de coadjuvante do
conflito. Noemi Marinho empresta um ar de submissão calculada à Mãezona, tornando
nítido o seu comportamento astucioso. Augusto Zacchi, com alguma semelhança
física a Paul Newman, que interpretou o mesmo Brick na versão cinematográfica
da peça, em 1958, dosa silêncios
intensos e explosões bem medidas. Zécarlos Machado encontra o equilíbrio entre
a virulência, vulgaridade e os sentimentos do Paizão. Bárbara Paez é um Maggie
de sensualidade quente, numa transcrição um tanto literal do que prenuncia o
título.