quarta-feira, 22 de junho de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (22/6/2016)

Crítica/ “Nós”
O senso comum próximo da região do escuro
A encenação do grupo Galpão fica entre o pronome e o substantivo. É, ao mesmo tempo, a construção  coletiva de perplexidades, e a expressão amarrada de indefinições. “Nós” estabelece o ponto de interseção da encruzilhada entre o “tá difícil pra todo mundo”, e a tentativa de iluminar a “região do escuro”. Partindo da inércia e da desintegração, vivendo a dúvida sobre aquilo de que se fala, reproduzem-se códigos de comportamento e ritos de convivência que inibem uma existência mais verdadeira. A preparação de uma sopa alimenta falas incertas e corpos nus, numa dissonância de vozes e gestos que procuram onde poderá estar a ação real. Os atores são seus próprios personagens nesta ceia, em que os conflitos parecem ingredientes que nutrem o imobilismo do senso comum. As razões para se sensibilizar estão expostas, mas as reações se confundem com os contraídos desejos das três irmãs de  Tchecov, citados de passagem. A dramaturgia de Marcio Abreu, também diretor, e Eduardo Moreira desata algumas amarras do Galpão no estabelecimento de uma cena mais reveladora e ambiciosa, na qual há espaço para romper com rigores de texto e distender os limites da comunicação. A encenação se articula no naturalismo explodido e na adesão, racional e física, do espectador. As cenas adquirem uma circularidade nos apelos à identidade ao discurso e na envolvência da plateia. Os depoimentos dos atores se misturam às palavras das personas que interpretam, reiterativamente, como forma de fixação. A montagem demonstra alguma radicalidade, pelo menos para padrões tradicionalistas, ainda que seja bem menos provocativa do que deflagra na aparência. A aproximação indutora com a assistência, falha ao banalizar a distribuição da sopa e no convite constrangido à dança no final. O grupo fala em “viver mas não existir”, jogando para quem o assiste, a ideia de ativar a inação, mas não ultrapassa o quadro das situações que limitam  rompimentos. As contradições se ampliam no cenário de Marcelo Alvarenga, que serve a uma concepção estetizante no painel espelhado, em contrapartida à mesa de uso no  preparo da comida e bebida. “Nós” traz o Galpão para outro patamar, mais solto em sua exposição e menos contraído como imagem, deixando entrever a descompressão dos atores em interpretações disfarçadamente impetuosas. Antonio Edson, Chico Pelúcio, Eduardo Moreira, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia, Paulo André e, em especial Teuda Bara, se lançam a um arrastão comedido aos “subterrâneos gelados do eterno esperar”.