Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (5/6/2016)
Crítica/ “Esse
vazio”
No vestiário de um clube interiorano, três rapazes
espreitam o velório de um amigo no salão ao lado. Estão tensos e um tanto
desorientados para avaliar o que essa morte significa para cada um deles, e de
como o cenário de suas vidas desaba diante da rotina, da estreiteza e do vazio
da cidade que asfixia esperanças e corrói o presente. Os limites geográficos,
reduzidos a um rua que desemboca no rio, se transferem ao estreito circuito
emocional, estabelecido como espaço das lembranças e tempo de imobilidade. A
morte confirma a paralização de suas existências, fixadas em evocações
adolescentes e sem outra perspectiva senão a de perambular pelos códigos de
amizade masculina. Companheiros de noitada e de namoros sem afeto, não escapam
ao provincianismo dos sentimentos e à falta de coragem de romper com o que já
não cabe em suas vidas. A narrativa do argentino Juan Plablo Gómez parece vagamente
inspirada no filme “I Vitelloni (“Os boas-vidas”, de Federico Fellini, 1953), com
personagens de vivências semelhantes a uma mesma Rimini que os aprisiona. O
único dos quatro que consegue sair, e parte para a cidade grande, imprime no
novo ambiente o peso da memória interiorana, tão doída quanto a imagem do
quadro do poeta na parede. Com diálogos ágeis, que quebram a tensão e dosam com
algum humor o metafórico confinamento-refúgio, a morte não está apenas na sala próxima,
mas na auto-imposta superfície espacial em que vivem. Realista, sem
psicologismo, com situações bem amarradas, “Esse vazio” é um texto concentrado como
uma vinheta dramática. Sergio Módena explora a falta de motivações dos
personagens, com atitudes nervosas que refletem sentimentos em estado bruto. O
diretor registra os ruídos de medo e insegurança que chegam do salão ao lado, fornecendo
aos atores os instrumentos para afinar o trio com a dissonância da partitura
afetiva. A cenografia de Claudio Bittencourt, real na reprodução do frio
vestiário, se perde no espaço do Teatro Glaucio Gill. Solta no centro da cena,
ganharia melhor projeção se fosse mais fechada. Gustavo Falcão vive o único que
parte da cidadezinha, transmitindo as contradições daquele que leva as suas
hesitações para onde está. Sávio Moll, apoiado em muletas, torna simbólica a
fragilidade de quem se desequilibra na rotina medíocre. Daniel Dias da Silva expõe
as emoções pouco filtradas do mais expansivo dos amigos.