Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (20/3/2016)
Crítica/ “Mulheres
à beira de um ataque de nervos”
Musical com nervos fracos |
O cinema americano, e em menor medida o teatro,
revisa filmes estrangeiros, produzindo sobre ideia original a sua própria
adaptação. Quase sempre, a transposição fica reduzida ao aproveitamento da
trama e ao uso das referências, desidratando o espírito e a geografia cultural.
O musical “Mulheres à beira de um ataque de nervos”, baseado no filme do
espanhol Pedro Almodóvar, é um exemplar dessa apropriação. Na produção de 1988,
que marca o reconhecimento de Almodóvar e consagra o fecho da “movida
madrileña” (movimento de contracultura
pós era franquista), o universo melodramático do feminino e a estética
colorida por tons kitsch definem um
estilo e determinam a formalização narrativa. As características de filmografia
de locução própria e expressão muito conotada, quando transcritas para outro
gênero, deixam pequena margem para a recriação autoral. Como o musical exige
seguir um código e se inventar como trilha sonora, o desafio da transposição é
ainda maior. Esta versão das mulheres de Almodóvar acompanha com fidelidade
literal as situações vistas na tela, sem outro filtro senão o da novidade das
canções. Reduzida a comédia farsesca e a boulevard
sonorizado, a transferência para o
palco desgasta um entrecho que, originalmente, captura o espírito de uma linguagem.
A importação de musical tão pouco atraente, parece querer ativar a lembrança do
filme e revalidar a fórmula de seu sucesso. O diretor Miguel Falabella, que
também assina a tradução brasileira, investe mais na aparência do que nos
mecanismos do humor almodoviano. A
montagem é apoiada no visual exuberante dos figurinos de Fabio Namatame e da
cenografia movimentada de J.C. Serroni. As interpretações são levadas ao ponto
da comédia destemperada, na vizinhanças do exibicionismo. Mas sem nervos. A
música, levemente marcada por ritmos hispânicos, sofre de pasteurização sonora
que torna indistintas as composições e as letras. Os 11 atores do elenco de
apoio se empenham em coletivo de vozes e dança com competência funcional. A
composição de Carla Vazquez evoca a atriz Rosy Palma do filme inspirador do
musical. Ivan Parente está um tanto retraído como o condutor informal do
trajeto nervoso. Erika Riba e Daniel Torres vivem, com regularidade a exaltação
da advogada e a timidez do noivo. Juan Alba incorpora o galã latino, e Helga
Nemeczyk explora, com humor popular e impostação de voz, a namorada do
terrorista. Marisa Orth se mantém num plano de atuação cautelosamente bem
comportado. Stella Miranda tem a presença mais destacada em cena.