domingo, 13 de março de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (13/3/2016)

Crítica/ “Fatal”
A frontalidade do secretismo amoroso 


O amor, nas suas origens mitológicas e literárias, se constitui em uma fatalidade, mortal pelo prazer que provoca ou pelo trágico das impossibilidades. Viver ou buscar esse sentimento no desejo da plenitude e na aspereza do confronto, perseguindo uma unidade inalcançável dos corpos em fricção, é explorar zonas secretas e espaços de exibição. “Fatal” pretende, em três textos curtos, sondar as pulsações do jogo dos apaixonados, celebrando deuses humanizados e a natureza das dores e delícias da carne. Pedro Kosovski assina “Monstros – Poema em drama para duas vozes e muitos corpos”, diálogo em uma darkroom entre Eros e Psiquê. Marcia Zanelatto situa “Tristão e Isolda” em um peepshow”, e Jô Bilac explora o secretismo do “Kama-sutra”. A cada uma dessas intervenções em arquétipos amorosos corresponde uma tensão que registra o movimento pendular do desencontro e das oscilações da emoção em estado físico, elevada ao plano da devoção mítica. Os autores concentram a vivência de almas amorosas no lirismo de solidões de corpos que se juntam, na morte súbita do orgasmo sonhado e nas bênçãos que restituem paz a corações atormentados. Como em algumas montagens que procuram na exposição o domínio central da expressão cênica, a narrativa se desenha pela escuta, por aquilo que se constrói pelo que se ouve, mais do que por imagens. Na concepção de Guilherme Leme Garcia, a singularidade poética dos textos é apresentada sem qualquer subterfúgio visual ou sugestão dramática. A cena está desprovida de acessórios que a ambiente e elementos que a tensione. É limpa e, em alguns momentos, totalmente apagada, como se valesse apenas o que está sendo dito. A palavra faz a atmosfera, se entranha pela instalação de Aurora dos Campos e iluminação de Tomás Ribas, num percurso neutro, sem ação, mas embutida de intensa dinâmica verbal. Os atores são vistos em posição frontal, sentados diante da plateia, estimulada a percebê-los como vozes. Tanto que em um dos quadros, simplesmente falam sem aparecer. Debora Lamm e Paulo Verlings se apropriam da oralidade com a percepção de suas sutilezas expressivas, mantendo a impessoalidade como se quer projetar  a emoção. O casal, neste diálogo sem olhares, que fita apenas a quem os ouve, sustenta a suspensão dos ruídos desviantes,  para oferecer as pausas de se deixar levar por aquilo que as palavras podem descrever e os sentimentos nos conduzir.