Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (25/2/2015)
Crítica/ Fazendo
História
O texto do inglês Alan Bennett, entre os dois
planos narrativos em que se move, mantém-se sedutor por quaisquer das formas de
recepção que o espectador escolha para apreciá-lo. Extremamente britânico na acuidade
dos diálogos e na particularidade do seu entrecho, universaliza-se pelo equilibrado
e sensível debate de ideias e no envolvimento provocado pela trama bem urdida. Grupo
de alunos enfrenta o último ano em escola secundária em preparação para o
vestibular para a universidade. Ainda que inteligentes e, em alguns casos
brilhantes, a direção não os considera preparados para prestar provas para
Oxford e Cambridge, o que valorizaria o ranking
pedagógico da instituição. Diante desse desafio, se contrapõem os
professores Hector, de Cultura Geral, com aulas marcadas pela humanização do
conhecimento e o papel da arte, e Irwin, de História, contratado para compartimentar
o pensamento ao êxito no concurso de ingresso. Ambos vivem diferentes
experiências em sala de aula, repercutindo na classe as suas contradições
íntimas, as diferenças de seus projetos pedagógicos, a impessoalidade do
sistema de ensino e os conflitos com os alunos. As diferenças se estabelecem,
ilustradas por citações de poetas (Thomas Hardy, W.H.Auden, T.S. Eliot), pintor
(Piero della Francesca) e historiador (Eric Hobabaun), sem que pareçam banalizações
de referências eruditas, mas trechos literários para ironizar a verdade
histórica e a utilidade da arte e ressaltar ainda a força transformadora da
linguagem. Em outra escala, a narrativa de Bennett dimensiona as ideias com o
realismo do sistema educacional e reações emocionais, que oscilam da
competitividade à sexualidade, num arco de sentimentos que justifica a dupla constatação
de que a História, com maiúscula, e a história, sem heróis, têm,
indistintamente, um caráter aleatório. A
direção de Glaucia Rodrigues reflete a compreensão do texto nas sua dualidade
expressiva, sem imposição de acréscimos à rigorosa construção do autor e na
contenção dos meios cênicos de que se utiliza. Com tradução fluente de José
Henrique Moreira, sugestão cenográfica de José Dias, iluminação sutil de
Rogério Wiltgen, figurino correto de Dani Vidal e Ney Madeira (a exceção fica
por conta do marcante colorido das roupas do professor Hector) e direção
musical de Edvan Moraes, a diretora cria um ambiente cênico dinâmico. As
distâncias que se abrem entre a realidade cultural e do ensino na Inglaterra e o
paralelo das nossas vivências sobre os mesmos temas, se acentuam na
interpretação dos atores, mais sensíveis a atuações expansivas e emocionais. Falta
ao elenco adulto – Mouhamed Harfouch, Nedira Campos e Edmundo Lippi -, com a ressalva
do empenho de Xando Graça em alternar os climas emocionais projetados pelo
professor Hector, maior autoridade interpretativa para assegurar a contracena
com os alunos. O elenco de estudantes – Rafael Canedo, Helder Agostini, Yuri
Ribeiro, Guilherme Ferraz, Ricardo Knupp – se beneficia de marcações intensas,
mantidas em ritmo agitado, o que o favorece nas suas composições físicas. André
Arteche se destaca pelas intervenções como pianista, enquanto Renato Góes
explora o lado envolvente de Dakin e Hugo Kerth brinca ao imitar cantoras e
reviver a sua participação no musical “The book of Mormon”.