quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (11/2/2015)

Crítica/ Eu Não Dava Praquilo
À procura da imagem e semelhança de uma atriz

O monólogo Eu Não Dava Praquilo, por mais que tente ampliar o seu espaço expressivo, não consegue escapar ao limite da homenagem e da reverência. O objeto e razão desta investida do ator Cassio Scapin, que assina o roteiro com Cassio Junqueira, e do diretor Elias Andreato, é a atriz paulista Myrian Muniz. Intérprete de temperamento inconfundível no palco e de linguagem desabrida nos bastidores, participou do elenco do Teatro de Arena na década de 60, dirigiu Elis Regina no show “Falso brilhante”, fundou o Teatro Escola Macunaíma, formou-se na Escola de Arte Dramática, numa carreira teatral desenvolvida em São Paulo, com alguma projeção nacional nos raros filmes e novelas de televisão de que participou. A presença maior da atriz numa única geografia artística e com circulação mais intensa em ambiente teatral vivido por quatro décadas pela geração que ajudou a mudar a cena paulistana, confinam a montagem a esses condicionantes, além de registar a indiscutível admiração da equipe pela personalidade da intérprete. Mas os roteiristas demonstram alguma desconfiança em relação a essa demarcação de limites para perfilar um nome pouco conhecido do público do Rio. A saída foi introduzir algumas declarações de Myrian sobre a profissão do ator, identificar sua trajetória com as dificuldades do seu exercício, buscando extensão para encobrir o indisfarçável tom laudatório e consagrador. Apenas emerge, e parcialmente, os aspectos um pouco mais alargados de uma figura que, apesar das boas intenções, aparece em cena como um tipo característico. O desequilíbrio na construção do roteiro se revela ainda no dispensável quadro em que, em palestra de Myrian, é exigida a participação, postiça, sem fundamento dramático e justificativa cênica, da plateia. Cassio Scapin, envolto por cortinas transparentes, utilizando um tablado e cadeira como únicos elementos cenográficos e empenhado em reproduzir tiques e voz de Myrian Muniz, a evoca em lembrança corporal. O diretor adota discreta intervenção nesta composição mimética de gestos e falas, no constante uso do cigarro e na tonalidade característica da voz que determinam  um modo de se apropriar de tipologia, não do estilo de atuar. Esta linha, na exaltação à prática teatral como terreno absoluto da liberdade e outras tantas citações de uma didática emocional sobre a representação, reduz a papel coadjuvante a trajetória profissional e ao limbo memorialista o temperamento de uma intérprete de sotaque artístico peculiar.