Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (31/1/2015)
Crítica/Para os que estão em casa
O que parece aproximar, está levando ao
afastamento. Um grupo de amigos, que
intermedia sua convivência através de contatos à distância e em que os
sentimentos são filtrados pelas vozes que, de longe, pelo telefone e pelos tão
disponíveis meios digitais, chegam depressa, mas são vagarosas na afirmação do
que se está, verdadeiramente, compartilhando com o outro. A trama deste texto
de Leonardo Netto é baseada no filme “Denise está chamando”, de 1994, quando a
velocidade das redes sociais, a disseminação de aplicativos e os efeitos da
conectividade ainda não se faziam possíveis para tantos. E como no cinema,
Netto se concentra na ligação telefônica, ainda que a partir da mobilidade e imediatismo
do celular, para verificar que se vive a
expressão solitária dos afetos. Ex-casal, uma grávida que se revela e uma dupla
de desgarrados, todos amigos, uns íntimos, outros circunstanciais, se mantêm em
linha direta, impulsionados pelo que recebem do exterior, sem se tocar fisicamente
ou enfrentar o cara a cara interior. Uma festa em que os convidados não
aparecem ou uma morte em que não há lugar para a emoção dividida como rito coletivo
são os extremos desta inter-relação sem trocas aparentes, que prevalecem entre
nuvens que não deixam ver as suas formas reais. Leonardo Netto, que também
assina a direção, criou com o cenógrafo José Dias e o iluminador Aurélio de
Simoni, espaços que individualizam cada um dos personagens, sem que eles se vejam
ou contracenem, a não ser pela interatividade do celular. A distribuição
espacial desenha, com o auxílio de diálogos ágeis e coloquiais, reproduzindo
sensibilidades cotidianas, o mapa da comunicabilidade sem partilha efetiva. Não
é fácil acionar esse carrossel de pessoalidades invisíveis e estabelecer jogo dramático que faça circular o conjunto das
peças individuais em volteios que desequilibrem a narrativa. Há quebras e
descontinuidade de ritmo, mas são pequenos desvios em entrecho envolvente na
sua hora e meia de duração. O elenco feminino – Adassa Martins, Ana Abbot,
Beatriz Bertu e Isabel Lobo – leva alguma vantagem em relação aos atores _
Cirillo Luna, João Velho e Renato Livera. As atrizes têm mais oportunidades em
papéis de maior destaque. Mas o elenco masculino, que fica em cena em longos
períodos de silêncio, marca presença pela integridade interpretativa que
imprime à contraluz da ação.