Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (5/2/2014)
Crítica/ Preciso
Andar
Forma
e movimento estão em constante tensão nesse drama psicológico do inglês Nick Payne, que faz da sexualidade ponto referencial para
esconder sentimentos e desvendar afetos. O casal Liz e Alan vive crise no
casamento pelo desinteresse sexual demonstrado por ela, que reencontra
Estevão, um colega de faculdade com quem ensaia um relacionamento. Alan se
envolve com Clara, em troca circunstancial de desejos, enquanto o filho do
casal, o adolescente Téo, experimenta, com a também adolescente Michelle,
descobertas do prazer. Cada um hesita na maneira de chegar ao outro, deixar
claro o que sente, dizer aquilo que desconhece em si, tendo somente a certeza
de que é preciso seguir adiante. Payne orquestra a dissonância dos ruídos
interiores com vozes sonantes, que gritam a sua insafisfação, como na
primeira cena de Liz, e desafinam na vontade de se reencontrarem, como nas
tentativas da mútua traição. O casal, em declinante vida em comum, o filho,
em ascendente juventude amorosa, se enredam em volteios emocionais sem saber
se haverá curvas para chegadas ou retas para outras partidas. Ao final, não
restam alternativas, senão prosseguir, continuar andando. Essa idéia de
moto-contínuo vital é o mais interessante neste texto do jovem dramaturgo,
cria do Royal Court, que o diretor Ivan Sugahara transcreveu cenicamente como
espaço de circulação de conflitos traçado com rigor. A cenograffia de Aurora
dos Campos é fundamental na geometria da montagem, em que duas molduras
retangulares, em interseção, estabelecem áreas de representação, circundadas
por quadrilátero desenhado no piso. Os planos visuais recortados pelo
emolduramento e a iluminação de refrações perpendiculares de Tomás Ribas
contribuem para a intensidade das mudanças exigidas pela sequência das cenas
e pelo ritmo nervoso de seus climas. Cristina Lago, por insegurança que
revela na atuação de contida rigidez, acentua a inexpressividade da Clara,
papel que o autor tornou acessório na origem. Ao contrario, Tárik Puggina
carrega no desenho de Estevão, a princípio, tentando mostrar o desquilíbrio
misterioso do insinuante visitante, para, em seguida, reduzí-lo ao seu
verdadeiro tamanho, pequeno. Tanto Beatriz Bertu (Michelle), quanto Fábio
Cardoso (Théo), têm desempenhos cativantes – ela, na sensualidade ingênua da
garota que se oferece ao diálogo amoroso; ele, no desnudamento delicado do desejo.
Otto Jr. projeta com variações sutis os estados emocionais do inquieto Alan.
Suzana Nascimento, apesar de algumas oscilações como a instável Liza, tem uma
boa cena ao utilizar o histrionismo corporal no empenho de seduzir Alan.
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