Crítica do Segundo
Caderno de O Globo (12/2/2014)
Crítica / O Duelo
Nesta adaptação da novela de Anton Tchekhov deixa-se
evidente o processo dissociativo entre o universo do autor e o experimento
narrativo, que ritualiza o intimismo com ruidosas interseções cênicas. Na
região litorânea do Cáucaso, na aridez de um verão, os personagens vivem a
insatisfação de existências medíocres, sentimentos vagos e melancólicos desejos
de evasão com os quais duelam inutilmente. Seus atos são incompletos, os desejos
inatingíveis e frustrações não os deixam sair do lugar, revelando uma paisagem
humana de contornos provincianos e emoções arrebatadas. A diretora Georgette
Fadel se apropria do texto como cenário para construir conexões, ao dizer: “meu
trabalho não seria criar linguagens, mas pontes”. Sob esta ótica, “O duelo” mantém
uma fidelidade intencionalmente “torta” ao literário, ao mesmo tempo em que desfoca
de forma épica o detalhe em favor de criar coletivização de sentidos. O plano
geral prevalece nas 17 cenas do espetáculo, ainda que cada uma tenha recebido
tratamento que se assemelha a multiplicidade de improvisações, aparentemente
encontradas no trabalho colaborativo dos
ensaios. A busca de espetaculosidade nos objetos cenográficos, como na bolha inflável
e no agitado mar de plástico, contrasta com os diálogos que falam de pequenas gestos.
A “carnavalização” da narrativa, mais palpável nos figurinos e na piada da
cobra na cena do correio elegante, arrefece a intensidade dramática no limite da
sua subversão. Os atores perseguem interpretações de ampla extensão, como se
estivessem em permanente estado de exaltação, em contrapartida às verdadeiras pulsões
afetivas dos personagens. O arco de contradições entre texto e cena, que a
direção acentua propositalmente, é o espaço expressivo da montagem que, em 3h20
de duração, lança contrastantes formas fabulares, que se impõem absolutas no exercício de mover peças de um
jogo em que se pretende ultrapassar convenções. A Tchehkov resta um lugar
discreto num segundo plano.