quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Temporada 2014


Crítica do Segundo Caderno de O Globo (12/2/2014)

Crítica / O Duelo
Tchekhov carnavalizado
Nesta adaptação da novela de Anton Tchekhov deixa-se evidente o processo dissociativo entre o universo do autor e o experimento narrativo, que ritualiza o intimismo com ruidosas interseções cênicas. Na região litorânea do Cáucaso, na aridez de um verão, os personagens vivem a insatisfação de existências medíocres, sentimentos vagos e melancólicos desejos de evasão com os quais duelam inutilmente. Seus atos são incompletos, os desejos inatingíveis e frustrações não os deixam sair do lugar, revelando uma paisagem humana de contornos provincianos e emoções arrebatadas. A diretora Georgette Fadel se apropria do texto como cenário para construir conexões, ao dizer: “meu trabalho não seria criar linguagens, mas pontes”. Sob esta ótica, “O duelo” mantém uma fidelidade intencionalmente “torta” ao literário, ao mesmo tempo em que desfoca de forma épica o detalhe em favor de criar coletivização de sentidos. O plano geral prevalece nas 17 cenas do espetáculo, ainda que cada uma tenha recebido tratamento que se assemelha a multiplicidade de improvisações, aparentemente encontradas  no trabalho colaborativo dos ensaios. A busca de espetaculosidade nos objetos cenográficos, como na bolha inflável e no agitado mar de plástico, contrasta com os diálogos que falam de pequenas gestos. A “carnavalização” da narrativa, mais palpável nos figurinos e na piada da cobra na cena do correio elegante, arrefece a intensidade dramática no limite da sua subversão. Os atores perseguem interpretações de ampla extensão, como se estivessem em permanente estado de exaltação, em contrapartida às verdadeiras pulsões afetivas dos personagens. O arco de contradições entre texto e cena, que a direção acentua propositalmente, é o espaço expressivo da montagem que, em 3h20 de duração, lança contrastantes formas fabulares, que se impõem  absolutas no exercício de mover peças de um jogo em que se pretende ultrapassar convenções. A Tchehkov resta um lugar discreto num segundo plano.