Crítica/ Vestido
de Noiva
Imagens e símbolos reiteram a memória |
Renato Carrera, diretor desta versão do clássico de Nelson Rodrigues, em cartaz
no Teatro Ginástico, não só quis se integrar às celebrações do centenário do autor,
como procurou imprimir visão própria, senão original, pelo menos provocativa,
ao texto. Vestido de Noiva está de
tal forma carregado de peso histórico –
a montagem de 1943 e as análises em torno dela têm carga indiscutível -, que os
encenadores atuais que se debruçam sobre os três planos narrativos e a
contundência dos diálogos cortantes
tentam escapar das referências dessa memória. Carrera não fugiu à escrita na
sua montagem, perseguindo novidades, mais
no detalhe do que na concepção geral, e acentuando, pela expansão dos meios
expressivos, o caráter mais explícito da narrativa. O diretor carrega na
maneira como amplia os elementos dramáticos e a construção de símbolos e
imagens, que antes de reforçar perspectiva de encenação, apenas reiteram aquilo
que no texto está suposto. A ritualização que promove se inscreve numa interpretação
alargada, repleta de sonoridade alta, cheia de ruídos, mas de baixa tensão. Com
o adensamento da trama, o espetáculo ganha alguma densidade, e as cenas adquirem
um pouco mais de afinação. O cenário de André Sanches é evocativo, ainda que
criativamente autônomo, do desenho de Santa Rosa da montagem de há 70 anos. Os
efeitos que cria com os candelabros e a plataforma em que se distribui a ação atendem
bem à funcionalidade. A iluminação de Renato Machado é decisiva na
complementação do ambiente: ágil, nervosa e envolvente. O figurino de Daniele Geammal sublinha
demais a intenção de comentar os personagens, o que acontece também com a peça
de carne transposta, primariamente, como personagem. O elenco sofre da
exposição óbvia daquilo que está embutido. Os atores recorrem a vozes alteadas,
próximas ao grito, movimentando-se como se quisessem ocupar fisicamente o
palco, numa incessante busca espacial. Rita Elmôr e José Karini estão
prudentemente contidos, enquanto os demais – Andreza Bittencourt, Dani Ornellas,
Felipe Koury, Hugo Germano, Isabel Pacheco, Maria Clara Hertz, Patricia Pinho e
Rodolfo Mesquita – se agitam sem razões para tanta gesticulação desordenada.
Crítica/ Ah, a
Humanidade! e Outras Boas Intenções
Flashes do cotidiano bizarro e da solidão planetária |
O americano Will Eno, autor de Ah, A Humanidade!... em cartaz no Casa
de Cultura Laura Alvim, é descendente, ainda que no desvio, do realismo
psicológico da dramaturgia do seu país. Com maior ou menor acuidade, Eno flagra
situações, cotidianamente bizarras ou placidamente absurdas, para compor quadro
em que as fricções da atualidade são exibidas sob a iluminação fria de toques
emocionais. Nesta seleção de textos, o autor desenvolve em pequenos flashes
visão de sentimentos de solidão planetária, de descolamento de sensações
vívidas, de papéis desumanos que nos obrigamos a assumir, e da incapacidade de
vínculos afetivos. Nem todas as cinco peças curtas dessa montagem alcançam nível
de comunicabilidade e de ambientação que as torne tão contundentes quanto
parece desejar o autor. O diálogo que estabelece com a plateia é interferido
pela distância cultural que o material dramático sofre na transposição para
nossa geografia humana. Um treinador esportivo e uma relações públicas de
companhia aérea têm ressonâncias nacionais bem diversas daquelas que Eno mostra.
A agravar essa distância, a tradução brasileira é por demais dura, nada
flexionada para nossa linguagem, soando estranha e afastando uma audição mais aproximativa
do universo proposto. A direção de Murilo Hauser também não colabora para facilitar a aclimatação, já que o
espetáculo não se situa em zona branca e
abstrata, sem tantas conotações baseadas
em citações localizadas. A cenografia de Valdy Lopes Jr. e Rafael Faustini
contribui para acentuar o descompasso, com o palco atulhado de objetos, como
provável representação do caos contemporâneo, mas que somente dificulta a particularidade
das cenas, diluindo o clima de cada uma delas e comprometendo o ritmo pelo
tempo esgarçado das mudanças. A projeção na tv, que abre (potencialmente bem) e
fecha (banalmente mal) o espetáculo, é servida por tela pequena, colocada ao
fundo do palco. Renata Hardy, em suas duas intervenções, demonstra inteligência
interpretativa. Claudio Mendes é mais intenso do que integrado nas suas
atuações. Guilherme Weber confirma o seu estilo pessoal na cena da comunicação
sem eco. Alice Borges é o destaque, tanto quando dimensiona a interioridade da
mulher à procura de falar com alguém, como na desastrada produtora.
Crítica/ Clímax
Instável painel da vida e da literatura |
Domingos de Oliveira é um dos autores e diretores
nacionais mais produtivos, capaz de escrever, dirigir e, eventualmente, atuar,
numa demonstração da necessidade de manter ativos os canais de expressão. Clímax é a mais recente produção de
Domingos, em cartaz no Teatro Gláucio Gill, na qual se distribui pelas três funções
às quais tem se dedicado há cinco décadas. Mais uma vez, Domingos é coerente
com sua vasta obra, expondo recorrentes obsessões
criativas e o seu estilo de autor. Desta vez, há um ar de melancolia que perpassa
o personagem do professor, limitado por doença degenerativa, que confirma a
gana de viver. Organizador de grupo de estudos sobre literatura policial, em
meio a relações afetivas, o professor se vê diante de um assassino, não por
acaso um dos seus alunos. O texto caminha por duas vertentes. De um lado,
assume tom confessional, no qual
questões existenciais e filosóficas são postas como declarações de princípio.
De outro, trama policial que não pretende descobrir as razões do criminoso. O
paralelismo entre as duas correntes, nem sempre se complementam dramaticamente,
sugerindo uma certa pressa na
construção da peça e descompasso entre elas. Na direção, Domingos não diminui
os problemas da escrita. A montagem, além de não integrar cenicamente os níveis
narrativos, tem dificuldade em estabelecer unidade de ritmo, provocando
descompasso comprometedor à fluência. Como ator, Domingos marca presença pela
sinceridade em que interpreta as suas, aparentemente, vivenciadas palavras. Os
demais atores – Claudia Ohana (bela), Erika Mader (juvenil), José Roberto
Oliveira (vibrante) e Matheus Souza (interessante) – desempenham papéis que
gravitam em torno de instável painel.
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