quinta-feira, 7 de março de 2013

9ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ Vestido de Noiva
Imagens e símbolos reiteram a memória
Renato Carrera, diretor desta versão do clássico de Nelson Rodrigues, em cartaz no Teatro Ginástico, não só quis se integrar às celebrações do centenário do autor, como procurou imprimir visão própria, senão original, pelo menos provocativa, ao texto. Vestido de Noiva está de tal forma carregado de peso histórico – a montagem de 1943 e as análises em torno dela têm carga indiscutível -, que os encenadores atuais que se debruçam sobre os três planos narrativos e a contundência dos diálogos cortantes tentam escapar das referências dessa memória. Carrera não fugiu à escrita na sua montagem, perseguindo novidades, mais no detalhe do que na concepção geral, e acentuando, pela expansão dos meios expressivos, o caráter mais explícito da narrativa. O diretor carrega na maneira como amplia os elementos dramáticos e a construção de símbolos e imagens, que antes de reforçar perspectiva de encenação, apenas reiteram aquilo que no texto está suposto. A ritualização que promove se inscreve numa interpretação alargada, repleta de sonoridade alta, cheia de ruídos, mas de baixa tensão. Com o adensamento da trama, o espetáculo ganha alguma densidade, e as cenas adquirem um pouco mais de afinação. O cenário de André Sanches é evocativo, ainda que criativamente autônomo, do desenho de Santa Rosa da montagem de há 70 anos. Os efeitos que cria com os candelabros e a plataforma em que se distribui a ação atendem bem à funcionalidade. A iluminação de Renato Machado é decisiva na complementação do ambiente: ágil, nervosa e  envolvente. O figurino de Daniele Geammal sublinha demais a intenção de comentar os personagens, o que acontece também com a peça de carne transposta, primariamente, como personagem. O elenco sofre da exposição óbvia daquilo que está embutido. Os atores recorrem a vozes alteadas, próximas ao grito, movimentando-se como se quisessem ocupar fisicamente o palco, numa incessante busca espacial. Rita Elmôr e José Karini estão prudentemente contidos, enquanto os demais – Andreza Bittencourt, Dani Ornellas, Felipe Koury, Hugo Germano, Isabel Pacheco, Maria Clara Hertz, Patricia Pinho e Rodolfo Mesquita – se agitam sem razões para tanta gesticulação desordenada.

Crítica/ Ah, a Humanidade! e Outras Boas Intenções
Flashes do cotidiano bizarro e da solidão planetária
O americano Will Eno, autor de Ah, A Humanidade!... em cartaz no Casa de Cultura Laura Alvim, é descendente, ainda que no desvio, do realismo psicológico da dramaturgia do seu país. Com maior ou menor acuidade, Eno flagra situações, cotidianamente bizarras ou placidamente absurdas, para compor quadro em que as fricções da atualidade são exibidas sob a iluminação fria de toques emocionais. Nesta seleção de textos, o autor desenvolve em pequenos flashes visão de sentimentos de solidão planetária, de descolamento de sensações vívidas, de papéis desumanos que nos obrigamos a assumir, e da incapacidade de vínculos afetivos. Nem todas as cinco peças curtas dessa montagem alcançam nível de comunicabilidade e de ambientação que as torne tão contundentes quanto parece desejar o autor. O diálogo que estabelece com a plateia é interferido pela distância cultural que o material dramático sofre na transposição para nossa geografia humana. Um treinador esportivo e uma relações públicas de companhia aérea têm ressonâncias nacionais bem diversas daquelas que Eno mostra. A agravar essa distância, a tradução brasileira é por demais dura, nada flexionada para nossa linguagem, soando estranha e afastando uma audição mais aproximativa do universo proposto. A direção de Murilo Hauser também não colabora para facilitar a aclimatação, já que o espetáculo não se situa em zona branca e abstrata, sem tantas conotações baseadas em citações localizadas. A cenografia de Valdy Lopes Jr. e Rafael Faustini contribui para acentuar o descompasso, com o palco atulhado de objetos, como provável representação do caos contemporâneo, mas que somente dificulta a particularidade das cenas, diluindo o clima de cada uma delas e comprometendo o ritmo pelo tempo esgarçado das mudanças. A projeção na tv, que abre (potencialmente bem) e fecha (banalmente mal) o espetáculo, é servida por tela pequena, colocada ao fundo do palco. Renata Hardy, em suas duas intervenções, demonstra inteligência interpretativa. Claudio Mendes é mais intenso do que integrado nas suas atuações. Guilherme Weber confirma o seu estilo pessoal na cena da comunicação sem eco. Alice Borges é o destaque, tanto quando dimensiona a interioridade da mulher à procura de falar com alguém, como na desastrada produtora.
   
Crítica/ Clímax
Instável painel da vida e da literatura
Domingos de Oliveira é um dos autores e diretores nacionais mais produtivos, capaz de escrever, dirigir e, eventualmente, atuar, numa demonstração da necessidade de manter ativos os canais de expressão. Clímax é a mais recente produção de Domingos, em cartaz no Teatro Gláucio Gill, na qual se distribui pelas três funções às quais tem se dedicado há cinco décadas. Mais uma vez, Domingos é coerente com sua vasta obra, expondo recorrentes obsessões criativas e o seu estilo de autor. Desta vez, há um ar de melancolia que perpassa o personagem do professor, limitado por doença degenerativa, que confirma a gana de viver. Organizador de grupo de estudos sobre literatura policial, em meio a relações afetivas, o professor se vê diante de um assassino, não por acaso um dos seus alunos. O texto caminha por duas vertentes. De um lado, assume tom confessional, no qual questões existenciais e filosóficas são postas como declarações de princípio. De outro, trama policial que não pretende descobrir as razões do criminoso. O paralelismo entre as duas correntes, nem sempre se complementam dramaticamente, sugerindo uma certa pressa na construção da peça e descompasso entre elas. Na direção, Domingos não diminui os problemas da escrita. A montagem, além de não integrar cenicamente os níveis narrativos, tem dificuldade em estabelecer unidade de ritmo, provocando descompasso comprometedor à fluência. Como ator, Domingos marca presença pela sinceridade em que interpreta as suas, aparentemente, vivenciadas palavras. Os demais atores – Claudia Ohana (bela), Erika Mader (juvenil), José Roberto Oliveira (vibrante) e Matheus Souza (interessante) – desempenham papéis que gravitam em torno de instável painel.

                                                macksenr@gmail.com