sexta-feira, 15 de março de 2013

10ª Semana da Temporada 2013


Crítica/ Emily 

Perfume e sabor do jardim poético de uma escritora em êxtase
Na pequena Amherst, Massachussets, em meados do século 19, Emily Dickinson, uma mulher de vida absolutamente comum, transpõe os limites da rotina de sua casa através da fantasia e de produção poética de alto nível. Assim, o americano William Luce capta, como se estivesse traçando um rendilhado, a vida e as circunstâncias que levaram a frágil Emily a se transformar num poeta de sensibilidade irretocável. Reclusa, delicada, lúcida, fantasiosa, assistiu a perda de parentes e amigos, enfrentou desilusões amorosas, foi rejeitada por editores.  Seu mundo foi apreendido e recriado nos limites da propriedade da família, vizinha ao cemitério da cidade. Emily confessa que “viver me deixa em êxtase”, sentimento que traduz na escrita poética, seu verdadeiro universo, já que o mundo físico alcançava tão somente o que era atingido pelos seus olhos. Luce se baseou nas cartas e nos poemas de Dickinson em monólogo que desenha as mais fundas motivações de Emily para escrever, avizinhando-se daquele ponto indefinível a partir do qual se confundem viver e criar. O texto de Luce caminha no ritmo das pequenas tarefas a que Emily se circunscreveu. Ela se apresenta à platéia oferecendo receita de bolo ou lembrando que prometeu descacar maçãs para a irmã Vinnie. Em contraponto aos domésticos afazeres que rondam sua alma, descreve o impalpável: “não sou capaz de descrever a eternidade. Ela desliza ao redor, como um oceano. E este mundo é tão pequeno, apenas um rubor no céu, antes da aurora. Por isso, é preciso que a gente se dê as mãos com força, que não falte ninguém, quando os pássaros chegarem.” O diretor Eduardo Wotzik adaptou o texto sem desfazer a sua tessitura, a mesma que Analu Prestes teceu na ambientação do jardim repleto de perfumes (de bolo, folhas e sementes) e de borboletas, que ensaiam vôos no hall do Poeirinha. O cenário de formas, odores e sentidos, que tão bem envolve a interpretação de Analu, captura atmosfera poética da natureza, deixando visível a identidade da atriz com o universo de Emily Dickinson. (Vale a pena explorar belas fotos de momentos de explosão ou quietude da natureza publicada por Analu nas redes sociais). A atuação de Analu Prestes está referendada por esta platitude misteriosa de flores, frutos, folhas e de alimentos, que nos nutre de pura ou dolorida beleza, e pela plasticidade das imagens que a poeta, de modo delicado e melancólico, traduziu, e que a intéprete transcreveu em afetuosa minúcia no palco. 
 

Crítica/ À Beira do Abismo me Nasceram Asas

Palavras emocionais para conviver com a passagem do tempo
Esse texto, em cartaz no Teatro do Leblon, é assinado por Maitê Proença e baseado em original de Fernando Duarte. E a autora, que divide o palco com Clarice Derzie Luz, também compartilha a direção com Clarice Niskier, função que tem ainda a supervisão de Amir Haddad. A concentração em muitas mãos de cada uma dessas atividades, talvez tenha contribuído para as dispersas características que tornam soltos os fios condutores da narrativa. As duas velhinhas, abrigadas num asilo, compartilhando a solidão e o abandono, estabelecem, entre resmungos da idade e lembranças dos velhos tempos, os seus caminhos finais. Os desabafos contêm os inevitáveis queixumes relacionados aos acréscimos de peso aos muitos anos de vida. A estrutura dramática compõe-se de cenas mais sequenciadas do que integradas a um desenvolvimento orgânico. Soltas, buscando a palavra emocional e sem encontrar a interioridade, as cenas se apoiam em paralelos superficialmente contrastados: uma das personagens é um tanto depressiva, a outra, expansiva. A direção tripla acentua a dificuldade de encontrar a unidade textual. Ao evitar o melodramático, o que é um mérito, o trio procura enquadramento algo evocativo e poético, tentando atribuir à volatilidade dos diálogos, significados mais abrangentes. As palavras, no entanto, não têm força e densidade para alcançar tais pretensões. Nos figurinos de Beth Filipecki e no cenário de Cristina Novais se confirmam as intenções de poetizar, como também na  impostação corporal, mas o resultado é limitado. A cena em que a bailarina celebra a aniversariante  e que papéis laminados caem sobre as atrizes, adquire ar involuntariamente patético. Clarice Derzie Luz modula pouco a evolução da personagem, fixando-se na sua característica de humor. Maitê Proença intenta emprestar carga dramática mais dosada, sustentando com alguma vivacidade a apagada velhinha.   
                                   
                                                       macksenr@gmail.com