Crítica/ Realismo
Brincando em cima da realidade |
O jogo que o autor escocês Anthony Neilson propõe
nesta peça, em cartaz no Teatro da Justiça Federal, é uma brincadeira em torno
de título enganador. Partindo do realismo, afinal há uma trama a ser desenvolvida,
Neilson inverte a lógica do real para misturar presente com lembranças, que por
sua vez se confundem com aquilo que se é agora. A interferência dos tempos, que
funcionam como paralelismo narrativo, se apoia em estrutura dramatúrgica segura
e tecnicamente bem elaborada. Pode-se discutir o emprego de depurados recursos em
comédia de alcance pouco extenso, que no entanto chega à plateia pela facilidade
com que cada um pode entrar no jogo através das várias percepções que se venha
a ter da cena. Somente uma comédia com uma história em camadas? Um quebra-cabeças
divertido de jovem entediado numa noite de sábado? Brincadeira que namora o
absurdo? A tradução de Felipe Vidal é a possibilidade inicial de envolvimento
do espectador com qualquer desses níveis perceptivos, não só pela fluência e
familiaridade, como também pela adaptação coloquial, pontos decisivos para nos aproximar
do humor britânico. O diretor Tato Consorti segue a mesma trilha, com pegada leve, mas firme, e viés abrasileirado na impostação
interpretativa. Essas características ficam ainda mais evidentes na atuação de
João Velho que dosa certa comicidade perplexa com naturalismo no desenho do personagem. E também na maneira como
Consorti tira partido de humor que nos parece tão próximo, quase chanchada, como
na cena da máquina de lavar e na presença do gato.
Crítica/ Sexton
Acumulando informações pela superfície |
Sexton do título desta montagem em cartaz no
Teatro III do CCBB é o mesmo do sobrenome da escritora americana Anne, que
viveu de 1928 a 1974, que além de escrever poesia teve vida atribulada, repleta
de tentativas de suicídio, que acabou por consumar com monóxido de carbono.
Amiga de intelectuais que orbitavam pela mesma sombria angústia, entre eles,
Sylvia Plath, a personagem escolhida pelas autoras Helena Machado e Juliana
Gandolfe para o desequilibrado texto dramático é projetado sob a perspectiva de
seus atos, mais do que na convergência entre vida e criação. Praticamente
desconhecida no Brasil – apenas dois de seus livros foram publicados por
editoras nacionais – Anne Sexton é mostrada numa sucessão de atos de
destempero, de dissociação mental e de inconsciência de realidade que a dupla
de autoras acumula como em uma pesquisa. A
impressão é de recolha de informações em que se privilegia os aspectos mais
contundentes de uma existência, mas sem estabelecer integridade com a criação
literária. O que emerge da sua obra, residualmente incorporada à narrativa,
deixa a impressão de ser bem menos vigorosa do que seus distúrbios emocionais. A montagem que vem de Brasília, dirigida por
Rodrigo Fisher, não atenua a exterioridade e o tom de compilação biográfica que
pairam sobre texto e que se estendem à encenação. Há indisfarçável procura de
inventar que resulta, tão somente, em expor a pouca maturidade do diretor e a
incapacidade do elenco em atender e acompanhar a totalidade dessas
invencionices. Os atores não sustentam as cenas, pretensamente virulentas,
interpretando-as de maneira dramática e superficial, invalidando a tentativa de
as fazer emocionalmente contundentes. Há uma atmosfera amadorística que pode
ser atribuída à pouca e rala experiência e formação dos seis esforçados, mas ainda
limitados, atores em cena.
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