Crítica/ Hamlet
Tragédia em comunicativa tradução brasileira |
O brasileiro Ronaldo Daniel, diretor de Hamlet, em cartaz no Espaço Tom Jobim,
vive há mais de quatro décadas entre Inglaterra e Estados Unidos, e
especializou-se em encenações de Shakespeare. Esta aproximação com a obra do
autor fez com que, não só adotasse Ron Daniels como assinatura de suas
montagens no exterior, como o fizesse percorrer várias peças shakespearianas,
inclusive Hamlet, mais de uma vez. Nesta
versão há visível tendência a imprimir perspectiva brasileira à construção do
espetáculo. A começar pela tradução conjunta do diretor e de Marcos Daud que
determina um sotaque nacional pela sua escorreita fluência, sem comprometer a
integridade original. Há algo de casual e
naturalista na apropriação da poética do texto, envolvendo a dramática das
palavras em sonoridade reconhecível. Esse ponto de partida de prosa fácil se estende a todos os elementos da
montagem, que se baseia em sólida avaliação dos meandros da tragédia para poder
fazê-la comunicativa e simples, como Daniels a encena. Despojado, com
cenografia composta apenas de telões, com figurinos de contornos bem marcados
(ternos e uniformes militares) e iluminação sem invencionices, o espetáculo
evita qualquer fuga à convenção e ao tradicional, procurando deixar as cenas límpidas
e constante o ritmo expositivo. Desta forma, o diretor despoja a tragédia de
implicações interpretativas para valorizar a própria narrativa, permitindo-se
criar um fluxo permanente em que não se exclui nada do texto, somente enfatiza-se
a palavra como ação. Uma certa
impostação clássica e técnica, quase
sempre exigida de peças de
Shakespeare, é colocada de lado em favor deste percurso narrativo, ao qual o
elenco se integra de modo integral. Os atores têm interpretações desarmadas,
sem impostações carregadas e preciosismos de atuação, e todos com ótima
projeção vocal, que confirma o trabalho de preparação de Babaya. Marcos
Suchara, Rafael Losso, André Hendges, Marcelo Lapuente, Rogério Romera, Fernando Azambuja, Chico Carvalho,Ricardo Nash e Everson Romito formam um ensemble funcional, que atende à
concepção e linha proposta pela direção. Eduardo Semerjian é um rei Cláudio sem
forçar a vilania. Roney Facchini, seja como Polônio ou com o primeiro coveiro,
tira partido do modo popular como se apropria dos personagens. Selma Egrei
empresta, fisicamente, sensualidade madura à rainha Gertrudes. Ana Guilhermina
se sai bem melhor nas cenas de loucura de Ofélia. Antonio Petrin, tanto como o
fantasma do rei quanto como o primeiro ator, tem boa presença. Thiago Lacerda é
um Hamlet mais enérgico do que sanguíneo, menos solene do que arrebatado,
enquadrando-se com perfeição à comunicabilidade que rege o desenho desta bem
sucedida versão da tragédia de Shakespeare.
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