Crítica/ A Tecelã
Ilusionismo como fio narrativo |
A origem é um mito no qual a vida está
representada pela capacidade humana de tecer novas realidades, encontrar por
trilhas oníricas a possibilidade do amor e imaginar ser possível escapar da
solidão. A tecelã vai desfiando o novelo da existência à procura de encontrar
alguém, num artesanato sonhado até a concretização do desejo. Ao deparar com o
esfacelamento do sonho, volta a tecer descobertas, mecanizadas por movimentos
desesperançados, perdidos na solidão, transformados na própria figura, agora inanimada,
tal como sua vida ficou reduzida. Esta fábula de ancestrais referências, que
pode ser vista no Teatro III do CCBB, é
traduzida pelo grupo gaúcho Caixa de Elefante, utilizando técnicas de animação
e ilusionismo, integrando atores e bonecos para criar cena encantatória. Linha
de trabalho que desenvolve há décadas, a companhia apresenta essa narrativa sem
palavras e de ressonâncias poéticas de maneira delicada e sutil em 50 minutos.
A forma como se transmite essa envolvência poetizada remete ainda a técnicas de
sombras e magia, manipuladas com base no teatro de bonecos e projeções
variadas, compondo quadro de fabulação de imagens. E são as imagens propostas
que ressaltam, perseguindo a ilusão, não só do que a narrativa propõe, mas
também do que se retira dela como efeito. Em alguns momentos, os efeitos encobrem
a intensidade narrativa, o que se reflete em certo comprometimento no interesse
do espectador. Um detalhe apenas na boa concepção de Paulo Balardim,
responsável pela direção, dramaturgia e cenografia, na interveniente música de
Nico Nicolaiewsky e na qualidade dos movimentos do elenco, com destaque para
Carolina Garcia.
Crítica/ Oscar e
a Sra. Rosa
Éric-Emmanuel Schmitt, autor de Oscar e a Sra. Rosa, em cartaz no Porão
da Casa de Cultura Laura Alvim, além de dramaturgo é também romancista e
cineasta, e já teve encenadas no Brasil, Variações
Enigmáticas, em 1996, com Paulo Autran e Pequenos Crimes Conjugais, em 2007. Escreve peças corretamente construídas, revestidas de capa sentimental,
disfarçada em diálogos de escorreita verbosidade. Oscar e a Sra.Rosa, não exatamente um texto para teatro, é baseado
em livro que escreveu para coleção Trilogia
do Invisível. O volume de Schmitt trata do Cristianismo. Os fundamentos da
religião são ficcionados através de menino de dez anos, nos seus últimos dias
de vida no hospital em que é tratado de doença incurável. Por meio de cartas
que dirige a Deus, narra seu cotidiano terminal. Talvez pela forma de origem e
pela destinação pretendida pelo livro, o texto poderá ter cumprido sua função, que no teatro, fora do contexto
editorial, fica bastante revelador de suas limitações. No palco evidenciam-se os
mecanismos emocionais e os truques sentimentais para atingir a plateia com
apelos a recursos melodramáticos. Não se economiza dose carregada de emoção pré-moldada para estabelecer
menos didatismo religioso e mais derramamento dramático. O diretor,
tradutor e adaptador Tadeu Aguiar seguiu com discrição o espírito do texto, reforçando
ênfases somente na trilha musical. Nos demais elementos da montagem procura a
simplicidade, como no cenário, na tradução fluente e na adaptação restrita às exigências
do monólogo. Pelo despojamento, o encenador leva porção da plateia às lágrimas,
conciliando as intenções do autor com o sentimentalismo da trama. Miriam Mehler
demonstra coragem em enfrentar o público em variantes registros – oscila de
menino a idades e gêneros adultos – e a poucos centímetros do espectador. O
minúsculo Porão obriga a atriz a desnudar a sua interpretação sem o filtro da
distância. É um bravo e intenso esforço, que Miriam Mehler vence ao ficar tão
próximo de quem a assiste e arrancar-lhe lágrimas.