Quatro Tons
de Comédia
Crítica/ A Arte da Comédia
Atores à procura de uma autoridade |
Inteligente.
Na melhor tradição da dramaturgia
do italiano, o texto de Eduardo De Filippo, em cartaz no Teatro Maison de
France, captura uma pequena humanidade de província para falar da
representação. Numa referência direta e bem humorada a Pirandello, De Filippo
reverte a proposição do autor compatriota levando “ atores à procura de uma
autoridade”. No cenário da prefeitura cria a dúvida sobre papéis confundidos,
provocada por diretor de trupe teatral que se vê diante da perda, por incêndio,
do barracão em que se apresentava. Os mecanismos próprios da cena e sua
projeção fora do palco são descarnados
por atores involuntários de realidade teatralizada pelo jogo social. Sob a
inclemência do frio e de insidiosa administração política, artista e prefeito
expõem contradições sobre ao papel da arte e do estado, numa relação inconciliável
que resulta em comédia de erros. Identidades suspostamente trocadas, como certa
vez Shakespeare apontou, e dubiedade de compreensão, como Gogol criou para desmontar
hipocrisias, se repetem em De Filippo para embaçar de incerteza o que poderia
ser a verdade do teatro. Incerteza instalada, o humor se sucede a cada aparição
de novo personagem até que se restabeleça a crueza do real após a bufonaria da
representação. Texto inteligente e sedutor recebeu do diretor Sérgio Módena
encenação que extrai das suas sugestões
teatrais a estrutura expressiva da
montagem. A representação, como móvel e justificativa da trama, se torna a escolha
estilística de Módena, que se apropria do entrevero, da dissimulação e do engano
como prolongamento do modo de construir a cena. Os atores, tais como os
personagens, são os veículos daquilo que não se sabe se está, realmente,
acontecendo. Ou são cúmplices de mera exposição de uma grande mentira. Módena
enfatiza a revelação/ocultação do teatro armado por De Filippo com elenco que
percorre esse exíguo espaço de verificação para traduzi-lo como meio de tocar as
manifestações intrigantes do artista. A cenografia de Aurora dos Campos resolve
as exigências das cenas, bem aparada pela iluminação de Tomás Ribas. Mas são os
atores que se destacam pela unidade interpretativa e pelo humor que emprestam
às suas atuações. Ricardo Blat desenvolve trabalho detalhista, repleto de
nuances e tiradas sutis, algumas delas de fina ironia, que reforça a acuidade
com que o dono da companhia teatral discorre sobre as agruras e prazeres da atividade.
Thelmo Fernandes, coerente com seu registro, valoriza voz, gestos e máscara harmonicamente
sintonizados na perplexidade do prefeito. André Dias compõe de maneira vaudevilesca o assessor do prefeito, dando
maior projeção ao personagem. Alcemar Vieira tem atuação impecável pelo ritmo
que imprime ao caudal de palavras que sustentam o bizarro pedido do médico do
vilarejo. Celso André, de modo um tanto gauche,
mergulha no delirante relato do padre. Erika Riba, ainda que cumpra com
justeza o papel da professora, fica um tanto prejudicada pela dificuldade de
interpretar a personagem, potencialmente, menos realizável. O que acaba por se
estender aos demais atores – Alexandre Pinheiro, Ricardo Souzedo, Teresa
Tostes, Poena Vianna, Saulo Segreto e Sérgio
Somene -, restritos a participações circunstanciais.
Crítica/ A Garota
do Adeus
Rotina pré-estabelecida até ao final feliz |
Hábil. O autor americano Neil Simon é
pródigo em comédias românticas, com investidas na nostalgia e na recriação de atmosfera teatral novaiorquina. Em A Garota do Adeus, cuja adaptação está
em cartaz no Teatro do Fashion Mall, o estilo habilidoso de Simon se mantém intacto
na sua integridade autoral e nos ganchos narrativos
bem colocados na hora certa para o que
se convencionou ser funcional neste tipo de comédia. Bailarina desempregada e a
filha são abandonadas pelo namorado-ator da garota, que se vê diante da contingência
de ter que dividir o apartamento em que mora com um rapaz, também ator, com o
qual antipatiza, mas que ao final se transformará em seu grande amor. Em meio a
essa trama de princípio e final pré-estabelecidos, há um meio em que o teatro é
objeto de brincadeiras sobre espetáculos vanguardistas e diálogos nervosos,
semelhantes aos que o autor desenvolvia quando escrevia para seriados de
televisão. Produto cuidadosamente empacotado e com única função de entreter, se for desamarrado
a partir de seus fios condutores, pode fazer
surgir um divertimento digerível. Mas não se compreende o porquê de ter sido
transposto (mal) para o Brasil. Há algo intrinsecamente americano em tudo que
se passa com os personagens, e ao retirar-lhes o ar local faz com que fiquem um
tanto asmáticos. Como a adaptação, também a direção de Elias Andreato se
ressente da falta de aclimatação. Rotineira, sem o clima original e interpretações
apagadas, a montagem é pouco mais do que burocratizada repetição de alguns truques
perdidos nos escombros do passado. A encenação deixa tudo descolorido, os
conflitos parecem vagas citações e as críticas ao experimentalismo reforçam a certeza
de que o tipo de teatro que se quer preservar fica integralmente despido. Edson
Fieschi se empenha tanto para alcançar o
humor com o qual pretende desvendar as peripécias do recém chegado inquilino,
que submerge no esforço físico. Maria Clara Gueiros caminha em sentido inverso.
Tem atuação branca, equidistante,
ressentindo-se de presença mais viva, como se a atriz tratasse a personagem com
estranha apatia. Sérgio Maciel e Clara Garcia são incapazes de demonstrar centelhas
nas suas interpretações. A menina Luiza González, com sua naturalidade, é que
dá alguma vida ao espetáculo.
Crítica/ Oportunidade
Rara
Pretensões demais, realização de menos |
Perdida. Hamilton Vaz Pereira, diretor de Oportunidade
Rara, em cartaz no Teatro dos Quatro, tem seu nome, definitivamente,
inscrito na história do teatro carioca das últimas quatro décadas. A
dramaturgia cênica que criou no grupo Asdrubal Trouxe o Trombone oxigenou o
teatro do Rio, engessado pela ação da censura e preso a cânones que não mais
correspondiam aos confinamentos estéticos de então. Foi uma explosão de
irreverência e abertura para trilha teatral arejada por vozes rejuvenecedoras.
Tanto tempo depois, e em constante atividade, Vaz Pereira permance fiel ao que
lançou nos bons velhos tempos do Asdrubal, coerente com cena que incorpora
música à miscelânia narrativa de citações filosóficas, vivências vagamente identificáveis e desfoques formais.
Nesta nova investida, o autor e diretor consolida seu estilo, aprisionado em cinco
esquetes que se pretendem comédias, mas que se estiolam em improváveis quadros,
confundindo absurdo com estranheza numa linguagem cifrada e personalista, que
parece adquirir sentido somente para quem a escreveu. Sobrecarregados de
dispensáveis detalhes, os esquetes são diluidores de suas aparentes intenções e
tão impensáveis quanto as letras das canções.
As histórias curtas, vazias e inconclusas, se interligam, quase aleatoriamente,
pelo título geral. Sem rumo para o que deseja comunicar (as pretensões estão
embutidas e irrealizadas), Hamilton se atrapalha também na direção. Em que pese
a capacidade dos profissionais, os desajustes se distribuem por toda a
encenação. A cenografia é inexpressiva, problema ampliado pela dificuldade de
realizar as mudanças das cenas, comprometendo em larga escala o já claudicante
ritmo da montagem. A música se transforma em adereço dispensável para exibição
de canções de letras intrigantes. O elenco – Lena Brito, Bel Kutner e Saulo
Rodrigues – parecem estar submetidos a constrangedores papéis de comédia
absurda.
Crítica/ Atreva-se
Perseguição sem estilo ao riso pelo riso |
Vazia.
Brincar com gêneros, filmes
noir e histórias de mistério, é o que
Atreva-se, em cartaz no Teatro do
Leblon, almeja. Oca, sem nenhuma ressonância daquilo que a inspirou, a peça de
Mauricio Guilherme se limita à busca irrestrita da risada. O revestimento
decorativo do cinema que imagina reproduzir, e os berloques narrativos para
nos fazer acreditar que se pretendeu algum mistério, ainda que cômico, são desvios
para piadinhas sobre governantas soturnas, figuras grotescas por seus defeitos
físicos e paródias aos clichês sonoros e tramas de suspense. Essa ambientação
acaba por ser pretexto para conduzir o publico ao riso sem sofisticação e
referências, próximo ao perseguido pelos humorísticos de televisão e stand up do momento. Jô Soares orquestra
esse envólucro do riso pelo riso, vendido como decorrente de outras fontes, com
banal aplicação. Não estabelece o clima noir
e não alcança o humor do Ridiculous Theatrical Company de Nova Iorque, criadora
e especializada neste tipo de espetáculo. O diretor não explora a paródia, fica
na superfície de efeitos desgastados, explorando somente o que pode facilitar a
gargalhada. Nesse sentido, tira partido da base popularesca dos atores, distanciando-se
mais do clima de mistério. Marcos
Veras expande, até ao limite do histrionismo televisivo, trejeitos e caretas. Júlia
Rabello demonstra mais refinamento na tessitura cômica, enquanto Mariana Santos
é uma humorista popular e Carol Martin demonstra inexperiência.
macksenr@gmail.com