segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

1ª Semana da Temporada 2013

Crítica/ Arresolvido
Ingenuidade e clichês narrativos em trama infantilizada
A montagem deste texto de Érida Castello Branco, em cartaz no Teatro II do CCBB, é decorrente do prêmio que obteve na 5ª edição do concurso de dramaturgia Seleção do Brasil em Cena. Não há como avaliar a justeza da premiação sem conhecer a totalidade das peças concorrentes, mas pode-se inferir pelo destaque conseguido por esse texto frágil, que a escolha deve ter sido árdua para a comissão. A aparente matriz regionalista do texto se confunde, pela ingenuidade e os clichês narrativos, com trama infantilizada e banal, buscando referendar-se em origens mais sólidas. É difícil perceber como peça tão pouco elaborada, reunindo série de situações pretensamente poetizantes e diálogos claudicantes, tenha, por mais que sejam precários os demais concorrentes, se destacado em concurso de âmbito nacional. Como o prêmio é a montagem, as dificuldades que se impõem ao diretor que aceite o desafio de encenar tal texto são, praticamente, intransponíveis. André Paes Leme, que o enfrenta, foi capaz de fazê-lo com lisura profissional, mas sem possibilidades de ultrapassar os limites restritos do material dramático. Há pouco avanço na concretização cênica pela falta do que inventar sobre o já visto. O espetáculo caminha pela trilha da reiteração, em que o cenário lembra alguma outra ambientação. A iluminação se esforça para criar vaga atmosfera, mas se esvazia por não ter em que focar. O elenco ainda com pouca intimidade com o palco se esforça, com garra, por superar essa falta de convivência.


Crítica/ Minimanual de Qualidade de Vida
Simpática conversa de atriz em comédia de papo único 
Há pouco mais de dois meses, a plateia carioca assistiu a Marco Nanini no monólogo A Arte e a Maneira de Abordar seu Chefe Para Pedir Aumento                     do francês George Perec em que desarma a narração através de uma conferência. Agora, a atriz Alexandra Richter utiliza em Minimanual de Qualidade de Vida, de Ana Paula Botelho e Daniela Ocampo, em cartaz no Teatro Leblon, o mesmo formato de conferência. A diferença está em que um procura manipular a forma como escolha dramatúrgica, enquanto o outro se apropria dela apenas como nomenclatura. Falar diretamente com a plateia, simulando a exposição de manual que dá dicas sobre a melhor maneira de viver na atualidade estressante, deixa pouco espaço para que a cena se projete de modo mais atraente. À procura de reproduzir uma fórmula, a dupla de autoras relaciona situações corriqueiras, paralelas a projeções dos títulos de cada tema em discutíveis jogos de palavras, na tentativa de fazer humor com assuntos do cotidiano desgastante, facilmente identificáveis pelo espectador. Um tanto repetitivas e aleatórias, as cenas se acumulam com relativa eficácia na comunicabilidade, mas em que o riso é raridade. A diretora Daniela Ocampo cercou o espetáculo de cuidados nas projeções e nos efeitos de luz, deixando o palco, absoluto, para a atriz. Alexandra Richter é uma comediante de recursos, capaz de sustentar um monólogo, mesmo  que sem lhe sejam oferecidas maiores oportunidades de brilhar. Resta a integridade interpretativa e a deferência ao alcance do texto. Alexandra não tenta encontrar o humor, que parece perceber ser magro, a qualquer custo. Vai substituindo com simpática presença a comédia de tema único pelo papo de uma intérprete divertida.      

Crítica/ O Cara
Multiplicidade de vozes e gestos em disfarçada stand up 
Miguel Thiré, autor de O Cara, em cartaz no Teatro dos Quatro, demonstra progressiva qualidade como dramaturgo. Inquieto e investigativo, Thiré, nessa e em outras peças, escreve a partir de gêneros de maneira desviante e exploratória. O Cara é, sem dúvida, um monólogo, mas se encaminha, de início, para o stand up comedy, o que é desmentido logo em seguida, quando a comédia brinca com a multiplicidade de vozes e de tempos. Esses recursos são utilizados sem que abandone o domínio do que escreve, e muito menos sem comprometer a percepção do público, que embarca nas peripécias do nerd publicitário sem perder a linha narrativa. Crítico à sociedade consumista e à vacuidade dos valores que se atribui à posse de bens, o monólogo desenvolve, com ritmo e humor para além da superfície das aparências, o percurso do Cara, da sua subida à queda. Previsível na dimensão da crítica, o texto se encorpa na direção do próprio Miguel e na interpretação de Paulo Mathias Jr. Sem cenário, somente com o apoio da simples e eficiente iluminação, Paulo Mathias se revela um one man show que surge na sombra do bom comediante que demonstra ser. Paulo Mathias, com tempo cômico preciso, essencial em espetáculo cronometrado em cada movimento do ator e nas pausas do humor, exibe preparação vocal e corporal cuidadosas. Corre, gesticula, mexe-se, ininterruptamente. Fala, silencia, muda a voz, permanentemente. Um trabalho consistente. Aguardam-se, tanto de Mathias quanto de Thiré, as suas próximas produções, em dupla ou individualmente.

Crítica/ Ópera
Show homerotico de afirmação de identidade
O espetáculo em cartaz no Teatro Glauce Rocha reúne quatro contos de Newton Moreno encenados pelo Coletivo Angu de Teatro, de Recife. São textos que tratam do homoerotismo sob perspectiva que tende ao humor, sem qualquer intenção caricatural. Cada um dos contos trata de aspecto da sexualidade como afirmação de identidade. A radionovela O Cão conta a história de um cachorro gay e os reflexos da intolerância na família proprietária do animal. O Troféu mostra a delirante busca do feminino por um homem, desde a infância. A Culpa defronta o amante com o namorado pouco antes da sua morte. E Ópera trata do relacionamento de garoto de programa e cantor de ópera. Os contos são reafirmações temáticas, sem muitos filtros literários ou sutilezas interpretativas, evidenciando posição diante do preconceito e de imagens pré-estabelecidas. A montagem de Marcondes Lima segue a mesma linha, acrescentando a cada conto um estilo de abordagem (melodrama, quadrinhos, novela e tragicomédia) e signos do universo gay. A transcrição cênica nem sempre encontra ajuste no palco, ora parecendo um show de travestis, ora calcando demais nos estilos adotados. Mas de modo geral, o diretor consegue desenhar com traços coerentes a sua visão sobre um universo do qual extrai seus sinais expressivos, conduzindo com ritmo, às vezes ralentado, elenco coeso e entregue integralmente à proposta. Ópera registra a diversidade do repertório do Coletivo Angu de Teatro, grupo que está à procura de sacudir em diferentes encenações os fundamentos do regionalismo teatral. 
                                   
                                                          macksenr@gmail.com