Crítica/ Minimanual
de Qualidade de Vida
Simpática conversa de atriz em comédia de papo único |
Há pouco mais de dois meses, a plateia carioca
assistiu a Marco Nanini no monólogo A
Arte e a Maneira de Abordar seu Chefe Para Pedir Aumento do francês George Perec em
que desarma a narração através de uma conferência. Agora, a atriz Alexandra
Richter utiliza em Minimanual de
Qualidade de Vida, de Ana Paula Botelho e Daniela Ocampo, em cartaz no
Teatro Leblon, o mesmo formato de conferência. A diferença está em que um procura
manipular a forma como escolha dramatúrgica, enquanto o outro se apropria dela
apenas como nomenclatura. Falar diretamente com a plateia, simulando a
exposição de manual que dá dicas sobre a melhor maneira de viver na atualidade
estressante, deixa pouco espaço para que a cena se projete de modo mais
atraente. À procura de reproduzir uma fórmula, a dupla de autoras relaciona situações
corriqueiras, paralelas a projeções dos títulos de cada tema em discutíveis
jogos de palavras, na tentativa de fazer humor com assuntos do cotidiano desgastante,
facilmente identificáveis pelo espectador. Um tanto repetitivas e aleatórias,
as cenas se acumulam com relativa eficácia na comunicabilidade, mas em que o
riso é raridade. A diretora Daniela Ocampo cercou o espetáculo de cuidados nas
projeções e nos efeitos de luz, deixando o palco, absoluto, para a atriz. Alexandra
Richter é uma comediante de recursos, capaz de sustentar um monólogo, mesmo que sem lhe sejam oferecidas maiores
oportunidades de brilhar. Resta a integridade interpretativa e a deferência
ao alcance do texto. Alexandra não tenta encontrar o humor, que parece perceber
ser magro, a qualquer custo. Vai substituindo com simpática presença a comédia
de tema único pelo papo de uma intérprete divertida.
Crítica/ O Cara
Multiplicidade de vozes e gestos em disfarçada stand up |
Miguel Thiré, autor de O Cara, em cartaz no Teatro dos Quatro, demonstra progressiva qualidade
como dramaturgo. Inquieto e investigativo, Thiré, nessa e em outras peças,
escreve a partir de gêneros de maneira desviante e exploratória. O Cara é, sem dúvida, um monólogo, mas
se encaminha, de início, para o stand up
comedy, o que é desmentido logo em seguida, quando a comédia brinca com a
multiplicidade de vozes e de tempos. Esses recursos são utilizados sem que abandone
o domínio do que escreve, e muito menos sem comprometer a percepção do público,
que embarca nas peripécias do nerd publicitário
sem perder a linha narrativa. Crítico à sociedade consumista e à vacuidade dos
valores que se atribui à posse de bens, o monólogo desenvolve, com ritmo e
humor para além da superfície das aparências, o percurso do Cara, da sua subida à queda. Previsível
na dimensão da crítica, o texto se encorpa na direção do próprio Miguel e na
interpretação de Paulo Mathias Jr. Sem cenário, somente com o apoio da simples
e eficiente iluminação, Paulo Mathias se revela um one man show que surge na sombra do bom comediante que demonstra
ser. Paulo Mathias, com tempo cômico preciso, essencial em espetáculo
cronometrado em cada movimento do ator e nas pausas do humor, exibe preparação
vocal e corporal cuidadosas. Corre, gesticula, mexe-se, ininterruptamente.
Fala, silencia, muda a voz, permanentemente. Um trabalho consistente.
Aguardam-se, tanto de Mathias quanto de Thiré, as suas próximas produções, em
dupla ou individualmente.
Crítica/ Ópera
Show homerotico de afirmação de identidade |
O espetáculo em cartaz no Teatro Glauce Rocha
reúne quatro contos de Newton Moreno encenados pelo Coletivo Angu de Teatro, de
Recife. São textos que tratam do homoerotismo sob perspectiva que tende ao
humor, sem qualquer intenção caricatural. Cada um dos contos trata de aspecto
da sexualidade como afirmação de identidade. A radionovela O Cão conta a história de um cachorro gay e os reflexos da
intolerância na família proprietária do animal. O Troféu mostra a delirante busca do feminino por um homem, desde a
infância. A Culpa defronta o amante com
o namorado pouco antes da sua morte. E Ópera
trata do relacionamento de garoto de programa e cantor de ópera. Os contos
são reafirmações temáticas, sem muitos filtros literários ou sutilezas
interpretativas, evidenciando posição diante do preconceito e de imagens
pré-estabelecidas. A montagem de Marcondes Lima segue a mesma linha, acrescentando
a cada conto um estilo de abordagem (melodrama, quadrinhos, novela e
tragicomédia) e signos do universo gay. A transcrição cênica nem sempre encontra
ajuste no palco, ora parecendo um show de travestis, ora calcando demais nos
estilos adotados. Mas de modo geral, o diretor consegue desenhar com traços
coerentes a sua visão sobre um universo do qual extrai seus sinais expressivos,
conduzindo com ritmo, às vezes ralentado, elenco coeso e entregue integralmente
à proposta. Ópera registra a
diversidade do repertório do Coletivo Angu de Teatro, grupo que está à procura
de sacudir em diferentes encenações os fundamentos do regionalismo teatral.
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