segunda-feira, 24 de setembro de 2012

33ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ Cara de Cavalo
Confronto entre a arte e a violência
O nome do personagem que dá título ao espetáculo em cartaz na Arena do Espaço Sesc é o de bandido que na década de 60 matou policial de grupo de extermínio, denominado Homens de Ouro. Marginal que vivia da exploração de mulheres e do jogo do bicho, abrigado na extinta favela do Esqueleto (onde onde funciona o campus da Uerj, no Maracanã), a história de Cara de Cavalo se reconstitui por Pedro Kosovski, através do policial remanescente da sua captura e morte. A investida de Kosovski esbarra em algumas dificuldades de integrar questões da arte com a realidade da violência e de estabelecer forma narrativa que documente e abrigue a vontade de depor sobre a expressão artística contemporânea. A dramaturgia para tal interrelação acumula diversos planos (tragédia carioca rodriguiana, linguagem da cultura pop) e fragmentos estéticos (referências plásticas, exibição de vídeos, música interveniente), levando à desmontagem dos tempos e da linearidade sequencial. Cara de Cavalo, o personagem, é pretexto para se falar das possibilidades da arte numa época de diluições e incertezas, de identificações plurais dos meios. Pedro Kosovski carrega tantas e tão variadas dúvidas, lançando-as de maneira algo anárquica, utilizando recursos da ambientação cultural e geracional envolventes, relacionando o que deseja dizer com a demonstração de como é difícil fazê-lo. É neste jogo, que Cara de Cavalo se constrói como teatro, e que o diretor Marcos André Nunes traduz no palco com igual espírito pulsante e desestruturante proposto pelo texto. Mesmo que o vídeo com o depoimento do policial e a consequente entrevista com a jovem repórter possam deixar a impressão de desabafo tortuoso, a tradução cênica do diálogo entre a obra de Hélio Oiticia e a marginalidade como arte é um belo momento. O elenco, com diferentes níveis de amadurecimento, tem em Saulo Rodrigues e Oscar Saraiva maior domínio de suas atuações, enquanto entre os de menor experiência, como Remo Trajano, Raquel Villar e Álvaro Diniz, o destaque é de Carolina Chalita que empresta tensão à amante de Cara de Cavalo. Ricardo Kosovski, como o policial entrevistado, dosa a intensidade agressiva do personagem com as contradições que precisa revelar em meio a seus confllitos internos. O ator se equilibra com extrema sensibilidade entre esses extremos, desenhando interpretação emocionalmente depurada.        
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CríticaPinteresco
O difícil humor que aparece nas entrelinhas
A dramaturgia de Harold Pinter tem a sutieza da entrelinha, daquilo que se revela pelo que aparentemente esconde. O que é dito parece adquirir os significados que se lhe emprestam diferentes interpretações. O realismo ganha contornos de naturalismo absurdo e diálogos delirantes, absolutamente corriqueiros em sua banalidade verdadeira, desconsertam pelo verismo. Pinter não revela, dissimula. Não mente, apresenta. Não expõe, entreolha. Pinteresco, em cartaz no Solar de Botafogo, é uma seleta de sua dramaturgia de espelhos invertidos em pequenas refrações. Em doze textos curtos, cortinas de sua obra dramática,  permite que se debruce sobre Pinter em outro plano formal. Lá estão os mais característicos elementos de sua dramática, num painel fracionado em historietas, ora cômicas, ora picarescas, difusamente políticas ou satiricamente britânicas, mas coerentemente pinterescas. São flagrantes de um universo que captura, como peças soltas de quadro mais amplo, pequenos pedaços de visão perversamente lúcida. A maioria – Ponto de Ônibus, O Último a Sair, Só Isso e Afora Isso – é uma aragem que somente balança as tempestades maiores das peças mais ambiciosos de Pinte. Há em algumas deles apenas a dimensão de uma vinheta, como em Só Isso, em que a contundência do dramaturgo se realiza em poucos minutos. A condensação de perspectiva de mundo nesses esquetes, exteriormente despretensiosos, demonstra segurança e certeza do autor em relação à sua criação. A transposição, seja na tradução de Jacqueline Laurence e Ísio Ghelman, seja na direção de Ary Coslov, procura trazer o universo de Pinter para plateia, cultural e geograficamente, distante. A montagem consegue aproximar essa dramaturgia em fatias da unidade textual de Pinter, mas somente parcialmente. Difícil de verter para nosso humor mais direto e menos construído, os esquetes são filtrados e aclimitados à nossa espontaneidade para o riso. Os doze, não importa suas peculiaridades e meios tons, recebem o mesmo tratamento, como se as sutilezas das entrelinhas (e o humor pode estar, exatamente, nessa área intermédia) devessem ser explicitadas. Uma das brincadeiras de Coslov é a extensão das pausas, uma das mais evidentes marcas do teatro de Pinter, a que o diretor recorre sem parcimônia. No estilo interpretativo do elenco, o diretor não domestica o temperamento exuberante do ator brasileiro, e deixa, de certo modo, que solte a sua tendência ao histrionismo. Não que os atores estejam deslocados, apenas estilizam linha de atuação em sentido contrário ao humor das cenas curtas. Savio Moll com pequenas modulações entre os tipos que interpreta, ressalta com discreta presença cômica alguns detalhes. Leonardo Franco intenta dar conotação mais british a algumas de suas intervenções, às vezes com habilidade, outras com menos resultado. Marina Vianna ultrapassa a marca da contenção, levando um pouco mais adiante os traços das personagens que interpreta. Alice Borges, uma comediante de máscara e gestos elásticos, exerce suas qualidades de modo generoso, com dois quadros em que se destaca pela compreensão que empresta a figuras entre o melancólico cotidiano da solidão e o patético do riso sem saída. Ainda assim, a atriz não escapa da intensidade da comicidade nacional.          

Crítica/ A Moringa Quebrada
Da Alemanha,  com escalas, para o Nordeste
Os clássicos, como este alemão dos 1800 em cartaz na Sala Paulo Pontes do Theatro Net Rio, não devem ser vistos pelo teatro contemporâneo como relíquias a preservar, a fixar como intocáveis. O clássico é assim denominado pelo que permanece como matriz, infensa a variantes temporais ou a reavaliações de ocasião. A Moringa Quebrada é clássica, não só por se enquadrar nessas categorias, como por seu autor, Heinrich von Kleist, ser um dos representantes mais expressivos de movimentos literários da Alemanha de sua época, e atento observador da dramaturgia mundial. Neste texto, Kleist mostra o jogo mentiroso das ações e instituições humanas, sob a descrença e hipocrisia que as comandam. Nesta comédia, em que não há heróis, muito menos complascência com as falcatruas das atitudes dissimuladoras, a trama se desenvolve, na melhor tradição de Molière, como pantomima de malandragens. Ao modo germânico, evidentemente. Na adaptação e direção de Gustavo Paso, muito do que o original conserva como classicismo se perde em inadequada transposição nordestina, rascunhada pela metade e sem qualquer preocupação em manter o espírito da raíz. A versão se reduz, basicamente, à ação como tal, e ainda assim, enfraquecida, não só pela diluição dos diálogos, indissociáveis do cerne da trama, como também pela postiça e incompleta regionalização. O diretor procura, coerente com o adaptador, tornar mais leve a montagem, marcando o elenco num registro de comicidade pouco elaborada, sugerindo gestual e vozes acentuadamente carregadas de humor explícito. A ambientação terrosa e os figurinos fora de tempo e de lugar acrescentam ao desencontro geral com seu eixo expressivo, mais esses dois desacertos. O elenco, com dois atores mais experientes (Claudio Tovar e Samir Murad) e os demais com visível inexperiência, executa seus papéis na medida de suas limitadas possibilidades.               

Crítica/ Véspera
Comédia familiar fora de esquadro
Camila Appel, autora desta tragicomédia em cartaz no Teatro Maison de France, parece ter escrito seu texto sem saber a razão para se lançar a tal empreitada, e sem encontrar rumo para desconexa trama. Há tantas investidas, vagas já de início, que os seus desdobramentos em situações indefinidas, confusas, dispersas, nulas, deixam pouca margem de reação, a não ser de indiferença, diante dos 60 minutos de tantas platitudes. A narrativa, que confina família à sua casa, na véspera do Natal, quando a falta de luz isola cada um na sua própria esquizofrênica convivência, não conduz os personagens a lugar algum. Appel, aparentemente, imaginou ter escrito peça de absurdo, ou então comédia familiar de contornos levemente trágicos. São, pelo menos estas as indicações que se pode inferir do acúmulo de personagens caricaturais e suas obsessões vazias, das ações rocambolescas que se assemelham às das novelas baratas e de tipos que irrompem na cena sem que se saiba por que, exatamente, vieram, e muito menos por que sairam. Nesta Véspera, tudo parece fora de esquadro. O cenário de Márcio Vinicius, com a cortina transparente que se interpõe à plateia, é dos equívocos visuais o mais evidente. A direção de Hudson Senna embarca nos atropelos do texto, criando  encenação atabalhoada sem qualquer marca autoral. Do elenco – Cris Nicolotti, Tadeu Di Pyetro, Juçara Morais, Silvia Lourenço e Rafael Maia – fica a sensação de que se empenhou sem muita convição.       

Crítica/ Eu Era Tudo Pra Ela E Ela Me Deixou
Piadas em direção ao público cativo
Esse show-comédia em que o ator Marcelo Médici interpreta nove tipos e que as mudanças de figurino são tão rápidas que se tornam integrantes do humor do espetáculo, vive desses efeitos das variações. O público que vai ao Teatro das Artes está à espera de rir da sucessão de figuras e gargalhar de piadas que o ator em travesti ou como o indefectível bêbado se esforça para compor. Há um texto, assinado por Emilio Boechat, que resulta em extensa narrativa para amarrar e disfarçar o aspecto de show de humor. Eu Era Tudo Pra Ela e Ela Me Deixou é tão longa quanto o seu título e tão auto explicativa quanto aquilo que quer divulgar. Marcelo Médici é um comediante com recursos múltiplos, capaz de atender à expectativa de um público que já se tornou cativo de seu estilo. Para esse público, Médici oferece o espetáculo que dele esperam.   

                                                 macksenr@gmail.com