Crítica/ Cowboy
Dupla face da onipresença materna |
Daniela Pereira de Carvalho, autora de Cowboy, em cartaz no Oi Futuro do
Flamengo, tem trajetória consistente na dramaturgia carioca. Com praticamente
todos os seus textos encenados, a sua carreira se identifica com sua geração,
aquela que transita pelos anos 80, os formadores de universo dramático marcado
pela cultura pop e por referências literárias de arco extenso, que abarcam dos
quadrinhos à geração beat. Daniela é
uma demonstração dessas influências, perpassadas
por relativa nostalgia desses anos de construtivos. Nesses dois monólogos – um
filho que recompõe sua vida com sua mãe através de delírio, e uma mãe que
penetra no quarto do filho morto, tentando reconstruir a sua própria vida –
Daniela se volta para o passado juvenil, mesmo tratando de suas conseqüências
no plano adulto. O filho, que sob imagens criadas ao impulso de drogas e no
limiar do estado de inconsciência, traça desenho de si mesmo a partir da
onipresença materna, figura absoluta na sua desagregação existencial. A mãe revê
a convivência filial, manipulando lembranças na tentativa de se refazer através
das memórias. Não há dúvida do crescente domínio da autora sobre sua dramaturgia,
mas desta vez Daniela se utiliza do monólogo, gênero difícil por seus limites
expressivos, e estabelece clima de estranhamento que obscurece a fluência
narrativa. As imagens que cria, como a obsessiva insistência sobre visões das
duas vacas com nomes ou a situação
implausível do afastamento
da mãe de sua própria festa. Juntos, os monólogos apenas vagamente estabelecem interface
temporal e dramática. O diretor Henrique Tavares parece ter percebido a
disparidade, tanto que, praticamente, dissocia
um do outro com longo intervalo entre eles. A princípio se imagina que a
partilha em dois atos esteja ligada à mudança dos cenários, assinados por
Aurora dos Campos. Afinal, são duas ambientações bastantes distintas, em que a
da segunda parte está sobrecarregada de elementos (brinquedos, bichos de
pelúcia) que exigem montagem demorada, mas o que se verifica é que a divisão evidencia
a estranheza de cada uma das partes.
O que se consegue no primeiro monólogo, com alto custo de recepção da platéia,
se esboroa no segundo, pela ausência de qualquer atmosfera mais identificável e pela rapidez na duração. Saulo Rodrigues
intercala sua interpretação entre a juvenalização
e o humor levemente absurdo.
Susana Ribeiro, com a difícil tarefa de dar alguma veracidade à volatilidade da
personagem, sofre com a estranha figura desenhada pelo desajeitado
figurino.
Crítica/ Rebeldes
Sobre a Raiva
Arena beligerante de ressentimentos e parentescos |
O texto da israelense Edna Mazya, em cartaz no
Espaço Sesc, se passa em três tempos (no presente, quando a peça foi escrita,
1997; no passado, 1967, e no painel que apóia a narrativa, 1945), traçando
através da rebeldia e raiva de uma mulher, conflitos, os seus e os de uma
região, na busca de independência identitária. Ao fundo, Israel e a Palestina,
de frente, ódio e amor, misturados numa metáfora de relações políticas e
individuais que se confundem em arenas perigosamente beligerantes, em áreas de
ressentimentos e parentescos incompreendidos. A interpenetração dessas
duas esferas é proposta de maneira
até certo ponto convencional. Administrando os tempos dramáticos com
dosagem bem medida, Mazya percorre o espectro narrativo com gotas de humor,
respingos de historicidade e pitadas de melodrama, compondo quadro envolvente.
Sem a leitura do texto original e analisando somente a adaptação do diretor
Rodrigo Nogueira, Rebeldes parece seguir
as regras de playwriting, o que o sustenta
com segurança. A montagem de Rodrigo
reflete a compreensão do universo retratado,
detalhando os momentos políticos e existenciais com acuidade e construindo o
espaço temporal com distintas atmosferas. Para tanto, a direção musical de
Rodrigo Marçal é um elemento importante, assim como o cenário de Hilton
Berredo, que converte túmulos em vários ambientes, num geometrismo funcional. O
problema que o espetáculo não resolve a contento se prende ao elenco. Dentro de
suas possibilidades, tipos físicos, técnica e ligação com a temática, os 12
atores podem até ser considerados integrados à proposta. A montagem, no
entanto, evidencia o desajuste de
geração de atores a gênero teatral que não é tão próximo, seja por formação,
estilo ou vinculação cultural. Não por acaso, Rogério Fróes se mostra hierática
e subjetivamente memorialístico, em contraponto à rigidez nervosamente intensa
de Marina Vianna. E Joana Lerner demostre facilidade
em emprestar vivacidade à juventude de Alma, e João Velho não consiga fugir
ao estereótipo no tenente Williams.
macksenr@gmail.com