sexta-feira, 4 de maio de 2012

17ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ Cowboy
Dupla face da onipresença materna
Daniela Pereira de Carvalho, autora de Cowboy, em cartaz no Oi Futuro do Flamengo, tem trajetória consistente na dramaturgia carioca. Com praticamente todos os seus textos encenados, a sua carreira se identifica com sua geração, aquela que transita pelos anos 80, os formadores de universo dramático marcado pela cultura pop e por referências literárias de arco extenso, que abarcam dos quadrinhos à geração beat. Daniela é uma demonstração dessas influências, perpassadas por relativa nostalgia desses anos de construtivos. Nesses dois monólogos – um filho que recompõe sua vida com sua mãe através de delírio, e uma mãe que penetra no quarto do filho morto, tentando reconstruir a sua própria vida – Daniela se volta para o passado juvenil, mesmo tratando de suas conseqüências no plano adulto. O filho, que sob imagens criadas ao impulso de drogas e no limiar do estado de inconsciência, traça desenho de si mesmo a partir da onipresença materna, figura absoluta na sua desagregação existencial. A mãe revê a convivência filial, manipulando lembranças na tentativa de se refazer através das memórias. Não há dúvida do crescente domínio da autora sobre sua dramaturgia, mas desta vez Daniela se utiliza do monólogo, gênero difícil por seus limites expressivos, e estabelece clima de estranhamento que obscurece a fluência narrativa. As imagens que cria, como a obsessiva insistência sobre visões das duas vacas com nomes ou a situação   implausível do afastamento da mãe de sua própria festa. Juntos, os monólogos apenas vagamente estabelecem interface temporal e dramática. O diretor Henrique Tavares parece ter percebido a disparidade, tanto que, praticamente, dissocia um do outro com longo intervalo entre eles. A princípio se imagina que a partilha em dois atos esteja ligada à mudança dos cenários, assinados por Aurora dos Campos. Afinal, são duas ambientações bastantes distintas, em que a da segunda parte está sobrecarregada de elementos (brinquedos, bichos de pelúcia) que exigem montagem demorada, mas o que se verifica é que a divisão evidencia a estranheza de cada uma das partes. O que se consegue no primeiro monólogo, com alto custo de recepção da platéia, se esboroa no segundo, pela ausência de qualquer atmosfera mais identificável e pela rapidez na duração. Saulo Rodrigues intercala sua interpretação entre a juvenalização e o humor levemente absurdo. Susana Ribeiro, com a difícil tarefa de dar alguma veracidade à volatilidade da personagem, sofre com a estranha figura desenhada pelo desajeitado figurino.        


Crítica/ Rebeldes Sobre a Raiva
Arena beligerante de ressentimentos e parentescos
O texto da israelense Edna Mazya, em cartaz no Espaço Sesc, se passa em três tempos (no presente, quando a peça foi escrita, 1997; no passado, 1967, e no painel que apóia a narrativa, 1945), traçando através da rebeldia e raiva de uma mulher, conflitos, os seus e os de uma região, na busca de independência identitária. Ao fundo, Israel e a Palestina, de frente, ódio e amor, misturados numa metáfora de relações políticas e individuais que se confundem em arenas perigosamente beligerantes, em áreas de ressentimentos e parentescos incompreendidos. A interpenetração dessas duas  esferas é proposta de maneira até certo ponto convencional. Administrando os tempos dramáticos com dosagem bem medida, Mazya percorre o espectro narrativo com gotas de humor, respingos de historicidade e pitadas de melodrama, compondo quadro envolvente. Sem a leitura do texto original e analisando somente a adaptação do diretor Rodrigo Nogueira, Rebeldes parece seguir as regras de playwriting, o que o sustenta com segurança. A montagem de Rodrigo reflete a compreensão do universo retratado, detalhando os momentos políticos e existenciais com acuidade e construindo o espaço temporal com distintas atmosferas. Para tanto, a direção musical de Rodrigo Marçal é um elemento importante, assim como o cenário de Hilton Berredo, que converte túmulos em vários ambientes, num geometrismo funcional. O problema que o espetáculo não resolve a contento se prende ao elenco. Dentro de suas possibilidades, tipos físicos, técnica e ligação com a temática, os 12 atores podem até ser considerados integrados à proposta. A montagem, no entanto, evidencia o desajuste de geração de atores a gênero teatral que não é tão próximo, seja por formação, estilo ou vinculação cultural. Não por acaso, Rogério Fróes se mostra hierática e subjetivamente memorialístico, em contraponto à rigidez nervosamente intensa de Marina Vianna. E Joana Lerner demostre facilidade em emprestar vivacidade à juventude de Alma, e João Velho não consiga fugir ao estereótipo no tenente Williams.    

                                                     macksenr@gmail.com