Biografias de gente de teatro
Sérgio Britto
Incansável viajante pelos caminhos do palco |
Livros escritos por Sérgio Britto – O Palco dos Outros (Rocco) e O Teatro & Eu – Memórias (Tinta
Negra) – biografam as viagens teatrais desta força vibrante do teatro, que
viveu e percorreu os movimentos artísticos desde o início da carreira no Teatro
do Estudante (Romeu e Julieta), nos
anos 40, até a sua morte, há cinco
meses, um ano depois de sua última atuação (Recordar
é Viver). Sérgio foi um incansável, alguém que fez do teatro mais do que
carreira, mas devoção, cultivada em longa e estreita convivência, como ator,
diretor, produtor e espectador. Nesses dois livros é possível capturar um pouco
dessa entrega a uma atividade que o roubou da medicina e o levou ao Teatro
Brasileiro de Comédia, à criação do Grande Teatro Tupi, à sociedade no Teatro
dos Sete e no Teatro dos Quatro, à direção artística nos primeiros anos do
Centro Cultural Banco do Brasil e à direção do extinto Teatro Delfin. A
curiosidade de Sérgio pelo novo se manteve inalterada até aos seus últimos anos
de vida. Era comum encontrá-lo nas estréias, nos festivais de teatro, e
perceber a sua sensibilidade para o que surgia e tinha talento. Sérgio é
responsável pela vinda ao Brasil do diretor Gerald Thomas para encenar Quatro Vezes Beckett (1985), com elenco
inesquecível: Ítalo Rossi, Rubens Corrêa e Sérgio. Voltaria a Beckett, em 2008,
em A Última Gravação de Krapp e Ato Sem
Palavras I. “Beckett é uma
experiência tão especial que eu não sei se tenho palavras exatas para falar
dela. Só posso garantir que foi, talvez, a experiência mais importante de toda
a minha carreira. Um crítico matou a charada quando disse que nesse Krapp surgia um Sérgio reinventado pela
Isabel (Cavalcanti, a diretora).” Nas
frequentes viagens ao exterior, parte delas condensadas em O Palco dos Outros, Sérgio relata a ida ao Festival de Outono de
Paris e ao Festival Chiraz, na Pérsia (Irã), em 1974, como integrante do elenco
de Autos Sacramentales, levado pela
nave louca de Victor Garcia. Revive o fascínio de assistir, em Caracas, A Oréstia, de Ésquilo, com direção de
Peter Stein. E nas Memórias conclui:
“Para ser ator, é preciso ser uma paixão absoluta; para tentar teatro, é
necessário que teatro seja a coisa mais importante da sua vida: se assim não
for, desista, teatro não é o seu lugar”.
Mara Rúbia
Vedete-atriz para além dos brilhos da ribalta |
Ísis Baião e Therezinha Marçal, autoras de Mara Rúbia – A Loura Infernal (Aeroplano),
traçam retrato da vedete, que do final dos anos 40 até o início da década de 80
se manteve em cena. O livro homenageia uma das estrelas da companhia de Walter
Pinto e a atriz de teatro, cinema e televisão, atuante até a sua morte, em
1991, aos 72 anos. O aspecto biográfico prevalece sobre quaisquer outros, já
que não há qualquer pretensão de analisar ou de comentar o papel de Mara na
vida artística do Rio. Therezinha, filha da vedete-atriz, e Ísis conduzem a
narrativa mantendo a cronologia dos fatos de uma vida que viveu o apogeu (Eu Quero É Sassaricar!, 1951) e o
declínio (Cupido nas Furnas, 1956)
das revistas, e integrou o elenco de produções de Dulcina (A Filha de Iório, 1947), Bibi Ferreira (Escândalos 1950) e Victor Berbara (Promessas, Promessas, 1970). Ainda que acompanhe a existência desta
loura infernal de corpo violão, as
autoras se permitem criar ficção no primeiro capítulo, quando reconstituem o
velório e enterro de Mara num exercício de escrita que inicia com inventividade
uma história intensamente vivida. É possível perceber as habilidades de uma
mulher de teatro, sem nenhum aprendizado técnico, saída da província e recém
separada, com filhos, que se joga na competitiva ribalta da Praça Tiradentes. A
presença da exuberante mulher é o que
sobressaía de início, mas em seguida surgia, de geração artística espontânea, a
atriz, imbatível nos números de platéia, nos quais se exigiam inteligência
comunicativa e rapidez no improviso. Essa capacidade, cultivada na prática do
palco, que a acompanhou em toda a carreira – fez-se atriz de comédia e de
musicais com a mesma intuição da inexperiente jovem que foi a Walter Pinto desejando
subir ao palco, sem saber muito bem o que isso, realmente, queria dizer. Aprenderia
a manha, rapidamente, se lançando à platéia, segura de saber como cativá-la. “Se
aparecia um (espectador) muito
saliente, que vem lá com a piada dele, mal você acabou de dar a sua , ah, eu ia
pra cima dele. Dava a minha jogada. E se ele insistia de lá e eu sentia que a
coisa estava engrossando, eu dizia logo: “Põe o foco no artista ali que tirou o
meu cachê de hoje.” Era água na fervura. Mal se jogava a luz, acabava o artista.”
Márcio Aurélio
Ilusões Cômicas: imagens de subjetividades poéticas |
A
trajetória do diretor é revista por ele próprio na publicação de Márcio Aurélio – O Que Estava Atrás da
Cortina? (Imprensa Oficial). Na infância em Piraju, cidade paulista
fronteiriça ao Paraná, faz as primeiras descobertas do teatro, do qual se
aproxima, timidamente, quando se transfere para São Paulo, em meio a cursos e
empregos para sobrevivência, até a escolha definitiva do palco. Numa sequência que
obedece a criação de espetáculo a espetáculo, Márcio descreve a sua apropriação
do trabalho de construir a cena, relatando dúvidas, inquietações, e a
permanente busca de exercitar as prováveis expressões para experimentar o
poético. Já no início da carreira, Aurélio se perguntava: “como diretor
começava a perceber que um novo tipo de atuação era possível. Mas como
construir o discurso da cena? A tradução da cena? A escrita que visava a outra
estética? Não era o caso de montar peça, mas pensar a peça, e como utilizá-la. Confronto
de personagens e a reorganização e construção de novo texto que não era para
ser vivido, mas demonstrado como embate de ideais e suas contradições.” Sob
esta perspectiva, desenvolveu a sua onírica apreensão dos clássicos (A Bilha Quebrada),
da dramaturgia de Alcides Nogueira (Pólvora
e Poesia), do jogo cênico (A Ilusão
Cômica), do amor velado (Agreste),
e do amor doentio (Anatomia Frozen). A
moldura poética que empresta às suas encenações faz de Márcio Aurélio um diretor
que se utiliza de meios quase ascéticos, iluminação bem desenhada, que projetam
imagens sombriamente arrebatadoras, como em Agreste e Anatomia Frozen. Criador,
há 21 anos, da Companhia
Razões Inversas imprimiu metodologia voltada para o ator como agente da
constante investigação da cena, proposta como uma subjetividade rascante de estados emocionais.
Desde o início, a Companhia Razões Inversas “partiu do pressuposto que o núcleo
que forma a base para a construção do espetáculo é um organismo social em
transformação. O estabelecimento do diálogo abre a visão da obra. A retórica
cênica é construída a partir da inteligência e na qual aparece a sensibilidade,
como expressão, ganhando o público com a poesia da cena e a subjetividade
poética.
Emilio di
Biasi
ppp@WllSkspr.br: Shakespeare como farsa |
O título da biografia de Emilio di Biasi, O Tempo e a Vida de Um Aprendiz (Imprensa
Oficial), escrita por Erika Riedel, reflete a procura do ator e diretor
paulista ao longo de mais de 50 anos de carreira por encontrar o seu papel no
palco. Por todas essas décadas, Emilio, tanto como ator quanto como encenador,
participou dos movimentos teatrais que desde os anos 60 movimentaram a cena
brasileira. O começo foi participando de espetáculos amadores no banco em que
trabalhava, até decidir-se pelo teatro, incondicionalmente. Como ator e diretor
funda o grupo Decisão, com Antonio Abujamra e Antonio Ghigonetto, sob forte
influência brecthiana, que chegava como novidade provocadora e levou o trio a
encenações fortemente marcadas pelas teorias do autor alemão (Terror e Miséria do III Reich). Mas não
apenas Brecht fazia parte do repertório, também a dramaturgia inglesa (O Inoportuno, de Harold Pinter) e
clássicos (Electra) foram encenados
pelo Decisão em seus cinco anos de existência. A inquietação de Emilio, ainda
na década de 60, o aproxima dos novos autores brasileiros – Antonio Bivar (Cordélia Brasil), José Vicente (Os Convalescentes), Timochenco Wehbi (A Vinda do Messias) que apareceram na
época e se firmaram nos dez anos seguintes. Nesta fase, avalia Emilio, “se
conhece novos autores que começaram a dar destaque a problemas individuais,
apresentados como deformações sociais, ou seja, como consequência de uma
deformação social.” Nos 80, a dramaturgia de Bernard-Marie Koltès chama sua
atenção, o que o fez traduzir Cais Oeste,
do provocante autor francês, e a encenar O
Tempo e a Vida de Carlos e Carlos, inspirado em Tempo e a Vida de David Clark, espetáculo de Bob Wilson que
assistiu, arrebatado, em 1974, no Teatro Municipal de São Paulo . Em paralelo ao teatro, Emilio
co-dirigiu várias novelas de televisão, na Bandeirantes e na Globo, sem nunca
deixar o palco. Dos 90 até os 2000, a sua preferência pela dramaturgia européia
se distribuiu por montagens tão diversas quanto a divertida ppp@WllSkspr.br,
que dirigiu para os Parlapatões, Cinema
Éden, texto de Marguerite Duras com interpretação de Cleyde Yaconis, e Um Passeio no Parque, que deu a ele o
prazer de da maturidade interpretativa. “No teatro, você junta uma galera de
boa vontade e a coisa vai. Todo mundo topa por uma porcentagem e o espetáculo acontece. E é com esse
estado de espírito que você vai
para o trabalho.”
macksenr@gmail.com