21° Festival de Curitiba
Gargólios: de Londres a Curitiba |
A partir desta semana e até o dia 8 de abril, a capital paranaense abrigará o festival de teatro que na sua 21ª edição mantém o gigantismo de números e o papel de vitrine da produção cênica brasileira. Se na edição anterior houve predominância de montagens cariocas, este ano não será diferente. O volume se ampliou com A Peça do Casamento, texto de Edward Albee, direção de Pedro Brício, com Guida Vianna e Dudu Sandroni, em estréia nacional; remontagem de O Casamento, com o mesmo elenco da original, e com os mesmos diretores – João Fonseca e Antonio Abujamra ( leia abaixo a critica da versão de 1997, que participou do Festival de Curitiba daquele ano), e Escravas do Amor, ambos textos de Nelson Rodrigues; musical Judy Garland – O Fim do Arco-Íris; Nem Um Dia se Passa Sem Notícias Suas, de Daniela Pereira de Carvalho, direção de Gilberto Gawronski, que também estará como intérprete de Ato de Comunhão; Palácio do Fim, direção de José Wilker; De Verdade, com Kika Kalache e Guilerme Piva, direção de Márcio Abreu, em estréia nacional; Deus É Um DJ, com Maria Ribeiro e Marco Damigo; Julia, cine-teatro de Christiane Jathay; Obituário Ideal, texto de Rodrigo Nogueira; Rosa, monólogo com Débora Oilivieri; e Estamira, em visceral interpretação de Dani Barros. Gerald Thomas apresenta Gargólios, espetáculo que estreou em Londres, e o núcleo paulista da sua Cia Ópera Seca, lança o inédito Licht+ Licht, com direção de Caetano Vilela. O Galpão de Minas leva a Curitiba Ecllipse, baseado em Tchecov, com assinatura do russo Jurij Alschitz. Gabriel Villela exibe Hécuba, Lázaro Ramos, Namíbia, Não!, e Cibele Forjaz, O Idiota. De São Paulo marcam presença Luis Antonio – Gabriela; O Jardim; Equus e O Libertino. O teatro pernambucano estará representado por Essa Febre Que Não Passa, da Companhia Angu de Teatro, de Recife.
O Fringe, mostra paralela que chega ao 15° ano, distribui por teatros, auditórios, ruas e praças mais de 360 espetáculos. A destacar as sub-mostras Grupos de B.H, que reúne a produção mais jovem da capital mineira, e Na Companhia de.... com grupos inquietos como o curitibano Cia Brasileira de Teatro, o paulista Mungunzá e o pernambucano Magiluth
Crítica/ O Casamento
Os Privilegiados 15 anos depois do mesmo Nelson |
O grupo Fodidos Privilegiados, Antonio Abujamra à frente, desenvolveu ao longo de algumas temporadas uma certa forma de se apropriar dos textos de Nelson Rodrigues. Se em A Serpente os diálogos rodriguianos eram explorados com tratamento quase de farsa, em O Que É Bom em Segredo É Melhor em Público, seleção de crônicas e folhetins do autor, imprimiu visão de comédia maliciosa da vida carioca. Já em O Casamento, adaptação do romance de Nelson Rodrigues, o grupo empresta tom de panfleto erótico ao h tragicômico. Em Exorbitâncias, outro espetáculo do grupo que não utilizava textos de Nelson Rodrigues, se definiu uma estética que transformou a cena num ritual que celebra a iconoclastia. Com O Casamento, os diretores Antônio Abujamra e João Fonseca levam essa celebração ao limite de um folhetim para atiçar hormônios juvenis. A adaptação do original se fixa nos aspectos mais superficiais da trama. A história da jovem que um dia antes do casamento visita o ginecologista, que guarda um segredo sobre a sexualidade do futuro marido, deflagra situações que expressam um caudal de obsessões. Mas nessa ficção de Nelson, as obsessões são servidas por trama rocambolesca, perfis de personagens quase esquemáticos e diálogos com sabor de boutades. A adaptação teatral até tenta se aproximar de uma interpretação mais vertical desse universo, acentuando o caráter erotizante da trama. Os adaptadores assumem olhar de voyeur, meio moleque, meio vulgar. E, o que se imagina ser iconoclastia, acaba por ser apenas demonstração ingênua, sem sarcasmo e ironia. O espetáculo segue a linha das últimas montagens dos Privilegiados. Com grande elenco – são dezenas de atores em cena – os diretores criam movimentação coreográfica que distribui no palco a massa de atores, compondo um cenário humano. Essa movimentação existe tão somente como cenografia, já que os elementos ritualísticos a que se recorre (gritos em uníssono, vozes distribuídas por esse coro e a composição em círculo) funcionam como aparência, não encontrando correspondência em concepção mais sólida. O Casamento não chega a ser tragicômico, mas uma sucessão de cenas em que se está sempre perseguindo um efeito de impacto (gestos expandidos, palavras gritadas, imagens vulgares). Por força dos papéis que interpretam, Guta Stresser, como a jovem Glorinha, e João Fonseca, como seu pai, o doutor Sabino, se destacam num conjunto em que os atores se atropelam num estilo farsesco (as irmãs e a mãe) e numa repetição de gestos grosseiros. O Casamento é pouco mais do que um jogo cênico em que o que parece ser provocação, não passa de moralismo às avessas.
Crítica de O Casamento publicada em 12/4/1997
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