terça-feira, 6 de setembro de 2011

Teatro de Revista


Revista à brasileira nasceu cantando
Não Sou de Briga, produção de Walter Pinto (Teatro Recreio, 1946)
Como tudo no Brasil do século 19, o teatro de revista à brasileira foi importado da França, com escala em Portugal. O que se via nos acanhados palcos de um Rio, capital de país provinciano, era pouco mais do que arremedo de espetáculos musicais de origem francesa, quando não as próprias companhias vindas da Europa para mambembar pelo sul do Equador. Mesmo com essas importações, que se aportuguesavam a cada nova estréia, a revista começou a falar e a cantar com sotaque, senão totalmente local, pelo menos fixada na nossa geografia social e política. E Artur Azevedo foi decisivo na gênese e na aclimatação do gênero, que sobreviveu até à década de 60 do século passado. As revistas de ano, a primeira delas em 1877, à qual se seguiram outras 19, Azevedo registrava, criticamente, os acontecimentos dos últimos 12 meses, de forma satírica e critica e estabelecia as bases do que viria a ser o formato explorado pelos quase 100 anos seguintes. Nesta série de revistas, com títulos saborosos (Rio de Janeiro de 1877, Ataca Felipe, Cocota, O Bilontra, O Carioca, O Tribofe)  que já antecipavam os maliciosos títulos dos anos 50 do século seguinte (É de Xurupito, É Xique Xique no Pixoxó, É Fogo na Jaca, Tira a Mão Daí, Te Futuco...Num Futuco, Banana Não Tem Caroço), o autor demonstrava a capacidade carioca de satirizar-se, e insinuava, com meios populares, desenhar questões como a da nacionalidade da dramaturgia e do espetáculo. As revistas comentavam  os bons e maus costumes, os complexos coloniais e os problemas de afirmação de identidade da vida na época. Os personagens das revistas de Azevedo eram os males que assolavam a sociedade do Brasil, como a política, a fome, a seca, a inundação, o boato, a morte e o médico (consideradas figuras inseparáveis). Além da malandragem, erigida como valor socialmente valorizado, em oposição ao trabalho, e a persistência da ação política como atitude que reverte somente para o bem pessoal. A música, decisiva e integrante indissociável do espetáculo, trazia letras mordazes e composições originais, iniciando a construção do repertório do seria conhecido como a moderna  música popular brasileira. A revista foi o primeiro meio para sua difusão e popularização. Desenham-se com as revistas de ano arturianas, a capacidade cultural brasileira de, apesar do ambiente provinciano e das restrições sociais, ganhar autonomia expressiva, devorando. Antropofagicamente, influências importadas, devolvendo-as mastigadas e recriadas. A música, tanto ou mais que os outros elementos deste gênero de espetáculo iam compondo, brasileiramente, as revistas no final do século XIX, início do XX. Se os números de cortina, o perfil dos cômicos populares, grande parte deles vindo dos circos, a féerie dos quadros e a importação da linha de coristas, mais tarde chamadas de girls, se delineavam como estilo, eram as canções que repercutiam até mesmo nos confins do país. O maxixe, considerada uma dança erótica surgiria em 1897, na revista Zizinha Maxixe, como o Corta-Jaca, de Chiquinha Gonzaga seria lançada nos palcos da Praça Tiradentes. Sempre acompanhada de alguma moda, como o tipo de corte de cabelo feminino, retirado da revista À la Garçonne. Da mesma maneira que as trilhas musicais encorpavam as revistas, outras características se definiam na formatação de um gênero cada vez mais adaptado às nossas vivências sociais.
As vedetes, que até os anos 60, dominariam as ribaltas, como Mara Rubia, Virginia Lane e Renata Fronzi, teve em Margarida Max, em 1931, a sua precursora. Em Brasil Amor,  responsável pelos êxitos de Pé de Anjo, e O Rancho Fundo, de Ary Barroso e Lamartine Babo. As composições escritas especialmente para as revistas, também iriam criar o rico repertório das primeiras décadas do século passado, revelando os grandes nomes dos músicos e letristas que se o inscreveriam na história das nossas canções, marchinhas e sambas. Como Freire Júnior que, em 1924, escreveu Luar do Sertão, e Aracy Cortês  que cantaria sucessos incontestáveis, como Aquarela do Brasil, Boneca de Piche,  Tico-Tico no Fubá e Yes, Nós Temos Bananas, todas ouvidas pelas platéias revisteiras. Antes, no carnaval, depois no rádio, as marchinhas e sambas se estreavam ou se popularizam nos palcos, e isto já em 1930, com Dá Nela, de Ary Barroso, ou em É Batatal, na qual Oscarito, Aracy Cortes e Eva Todor ampliavam o sucesso de No Tabuleiro da Baiana, gravado originalmente por Carmen Miranda. Até Dercy Gonçalves, mais tarde atriz-caricata, se tornaria cantora em dezenas de revistas, carnavalescas ou não. Mas foi Virginia Lane, a Vedete do Brasil, que arrasaria no carnaval de 1952, com a marchinha Sassaricando, saída da revista Eu Quero É Sassaricá, um dos maiores êxitos do empresário Walter Pinto que modificou e tornou luxuosas e ainda mais feéricas as revistas da Praça Tiradentes. Com o fim do Teatro Recreio, em 1963, reduto das produções de Walter Pinto, o teatro de revista parou de cantar e dançar, tornando-se arremedo melancólico daquilo que representou como afirmação de uma linguagem cênica, que importada à princípio, incorporou a cultura local com a espontaneidade do jeitinho e das dificuldades de não saber como fazer. Descobriu-se, empiricamente, produzindo compositores, atores – os populares como Oscarito, Mequitinha e Grande Otelo eram imbatíveis – e vedetes, além de cenógrafos, técnicos e diretores, sem qualquer escola que os pudesse formar. E foram criadores, os melhores de seu tempo

                                             Publicada na Revista da Sbat n° 526