Crítica/ Abalou Bangu 2 – A Festa
Nova versão que oferece mais do mesmo |
Há oito anos, Flávio Marinho estreava Abalou Bangu, e a montagem dirigida pelo autor cumpriu carreira de anos em cartaz, com Cristina Pereira e André Valli no elenco. As boas bilheterias animaram Flávio a escrever e dirigir a continuação, que pode ser vista no Teatro dos Quatro. Lá está o mesmo casal que deixou o subúrbio para se instalar em Copacabana, e que agora promove festa de comemoração do aniversário de bodas. Repete-se ainda, a estrutura narrativa de tintas carregadas para contrastar com as cores fortes de personagens caricatos. Insiste-se na trama simples, recheada de piadas sobre temas correntes, e na superficialidade do humor. Nesta reescrita, o arcabouço da história anterior é seguido à risca, com as velhas gags (do latido do cachorro à música alta dos vizinhos), os efeitos (a entrada da atriz com a roupa de festa), a semellhança cenográfica e o tratamento ácido-sentimental dos tipos que perambulam por preconceituosa geografia urbana. A direção mantém a linha do espetáculo do passado, fazendo lembrar soluções vistas na montagem de 2003. A diferença está na participação dos vizinhos (Cláudio Galvan e Luciano Borges em atuações maneirosas) e de Paulo Goulart, que como o marido busca a comicidade em máscara algo careteira. Cristina Pereira reafirma sua linha de comediante. O autor oferece às platéias que aplaudiram a primeira versão, mais do mesmo, o que pode garantir-lhe o mesmo êxito de bilheteria.
Crítica/ Nem Um Dia Se Passa Sem Notícias Suas
Daniela Pereira de Carvalho, autora deste texto em cartaz no Teatro do Leblon, tem produção volumosa e o mérito de ter quase toda a dramaturgia encenada. Circulando por questões geracionais, nesta nova investida Daniela relaciona hereditariedades e existências vistas através das lembranças e dimensionadas pela passagem do tempo. Um homem que se desfaz da casa paterna, com todas as suas recordações, inclusive as do irmão no passado, e do filho no presente, cria com a ascendência e a descendência, contrapontos da continuidade da vida. Bem armada, com diálogos fluentes, a peça, no entanto, não sai do plano do bem-feito, do correto. Em nenhum momento, a ambientação evocativa que se insinua, mas não se estabelece, supera a falta de vigor que faz com que essa pequena vinheta dramática alcance a platéia, provocando alguma reação menos próxima da indiferença. A direção de Gilberto Gawronski corresponde à extensão limitada do texto, resolvendo cenicamente a trama, mas não avançando muito além. A cenografia, assinada pelo diretor, é tristemente simples com detalhes pouco inspirados, como os CDs dispostos como móbiles. O figurino de Nelo Marrese veste com exagero os atores. Edson Celulari se mostra linear e sem nuanças numa interpretação que o afasta de qualquer possibilidade de dar cor e vida a personagem apagado. Pedro Garcia Netto cai no oposto. Busca uma vivacidade que nem sempre se ajusta a seu companheiro de palco.
Cenas Curtas
Panorama Visto de Minas
Belo Horizonte – A capital mineira se define, culturalmente, como a cidade dos festivais. Seja em qualquer das manifestações artísticas, BH abriga mensalmente alguma mostra que reúne artes cênicas, cinema, música, mídias digitais, artes plásticas, e outras expressões criativas. Atualmente, a cidade abriga o 5° Festival de Arte Digital e o 1, 2 na Dança, a oitava edição de mostra internacional de solos e duos. Esse festival minimalista, que reúne bailarinos de vários pontos do Brasil e alguns internacionais, desta vez, procurou, sem muito êxito, aproximar a dança da performance e de alguma teatralidade. Valeu a tentativa, pelo menos na primeira semana da mostra, que prossegue até 25 de setembro. Com três solos ou duos por noite, de sexta a domingo, o 1, 2 na Dança se frustrou com a apresentação dos bailarinos-performers da Suíça e do Canadá, que sem sustentar os movimentos com o drama, reduzem a coreografia ao exibicionismo arbitrário. Entre os nacionais, a participação de Jamil Cardoso em Bambi, atribui conotação, pretensamente irônica e crítica, a maneirismos gestuais. Estudos Para Dona Rita, performance da goiana Érica Bianco é que melhor realiza e integra movimentos da estética hip-hop e referências à dramaticidade de Pina Bausch a uma narrativa coreográfica com algum vigor.
Enquanto as mostras teatrais aguardam o próximo ano para se oferecer ao público de Belo Horizonte – estão previstas Verão Arte Contemporânea 5, Encontro Mundial das Artes Cênicas, Festival Internacional de Teatro de B.H – os palcos estavam ocupados, até a última semana, com produções locais. A Cia. Luna Lunera, comemorando os 10 anos de fundação, apresentava o seu maior sucesso, já visto pelo público carioca: Aqueles Dois, a inspirada adaptação cênica de novela do gaúcho Caio Fernando Abreu. O mineiro Murilo Rubião é o autor das três histórias que compõem Amor e Outros Estanhos Rumores, que tem no elenco Débora Falabella, Mauricio de Barros, Priscila Jorge e Rodolfo Vaz. Essa produção paulista é dirigida pela mineira Yara de Novaes, a mesma que assina a produção mais recente do Grupo Galpão, Tio Vânia. A montagem, que também foi vista no Rio mês passado, aporta esta semana em Roma, onde faz apresentação no Teatro Vascelo. Parte do elenco do Galpão participa, nas próximas duas semanas, em Berlim, de contato com o diretor russo Jurij Alschitz, que chega a Minas em outubro para ensaiar o grupo em nova montagem, também baseada em Tchecov, o mesmo autor de Tio Vânia, e com estréia prevista para novembro. O Galpão se internacionaliza, rompendo os limites das montanhas mineiras.
O Soleil Finalmente no Rio
Depois de várias tentativas frustradas, e da retirada do Rio da turnê do Thêàtre du Soleil na temporada brasileira de há quatro anos – esteve apenas em Porto Alegre e São Paulo com Les Ephémères – enfim, a cidade receberá a trupe de Ariane Mnouchkine de 8 a 19 de novembro no HSBC Arena com a sua montagem mais recente: Les Naufragès du Fol Espoir . Iesa Rodrigues assistiu a Os Náufragos da Louca Esperança, na sede da companhia, a Cartoucherie, em Paris, em março de 2010, mês da estréia. O seu depoimento:
“Assistir a um espetáculo do Soleil vai além de comprar ingresso e sentar inerte na plateia da Cartoucherie. Para chegar lá, pega-se o metrô e um ônibus que pode ser abordado por policiais querendo cobrar uma multa fictícia dos passageiros. Ainda é dia, e é servido um jantar no salão de espera, aparentemente em esquema caótico. Surpreendentemente, os pratos chegam às mesas comunitárias, sem erro. Quando a sala abre, revela-se uma arquibancada em frente ao palco. Se estiver frio, as primeiras filas ganham uma mantinha distribuída pela própria Arianne, que ao mesmo tempo se justifica, dizendo que aquelas filas ficam na direção do vento que entra pela porta.
Estes preâmbulos acabam quando a peça começa. A Naufragès du Fol Espoir é uma aventura de cinema, um filme mudo rodado no sótão de um restaurante sempre lotado. As cenas são gravadas nos intervalos possíveis do trabalho dos garçons e cozinheiras – eles desaparecem por uma abertura no chão, quando voltam ao trabalho, e ouve-se o barulho dos clientes. A louca esperança é conseguir terminar o filme, com todos os truques de cenário e figurinos perfeitos. As personagens vestem um estilo navy do início do século 20, quase todo em azuis, pretos e brancos, complementado pelos aventais da vida real. Só isso, em dois longos atos fascinantes, com a iluminação que imita uma gigantesca claraboia e dá a ilusão de luz do dia. Mais as legendas em painéis pretos, como nos espetáculos de ópera.
Acaba a Naufragès, a plateia sai para a noite devagar, sem a tradicional corrida para o último metrô. Ninguém sabe ao certo onde fica o ônibus, grupos meio desnorteados andam de um lado para o outro na avenida. Até que uma motorista de um ônibus que seguia para a garagem se condoeu e decidiu dar carona até a estação de metrô. É uma aventura, mais do que uma simples ida ao teatro, que deixa poucas lembranças. Mas o Soleil deslumbra como uma experiência quase infantil de assistir a uma história bem contada.”
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