quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Festivais


Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia (Fiac)
Condenação dos sentimentos a um estado terminal
Salvador – O Fiac chega à sexta edição como uma pausa para respirar e manter o fôlego. E não apenas por questões de orçamento, que afligem a maioria das mostras de teatro nacionais, mas para revisão, parcialmente voluntária, da curadoria. Na sua curta, mas ascendente carreira, o Fiac tem demonstrado afinada perspectiva de programação, levando a Salvador grupos internacionais e brasileiros em criteriosas escolhas. Tendências variadas têm aportado nos teatros da capital baiana nos últimos seis anos, revelando, algumas vezes, surpreendentes olhares para o teatro contemporâneo e fina sensibilidade para experiências que buscam mexer nos códigos cênicos. Este ano, por opção da equipe de curadores, o festival se concentrou em espetáculos de dança e na produção do teatro baiano. Tal decisão, deixou à margem espetáculos nacionais mais consistentes e retraiu a vinda de obras mais ambiciosas do exterior. Ainda que na abertura  se apresentasse Preparatio Mortis, solo de dança-teatro da performática Annabelle Chambon, na concepção do instigante belga Jan Fabre – reafirmação a vida através da morte, com o palco soterrado por milhares de flores –, o que se seguiu foi bem menos interessante. A surpresa foi a companhia argentina El Silencio com versão renovada e inovadora de À Margem da Vida (The Glass Menagerie), de Tenneessee Williams. Traduzida como El Tiempo Todo Entero, ganhou dinâmica cênica a partir da apropriação do ritmo interno da narrativa. A adaptação se concentra na situação básica do texto para rescrevê-lo com gramática própria, mantendo a pulsão  emocional da família condenada a estado afetivo terminal. Referências a Frida Kahlo, a trechos de Moby Dick e à música e à tragédia do compositor e cantor mexicano Marco Antonio Sólis acrescentam sopro recondicionante à estrutura do drama psicológico, capaz de atualizar e dar caráter quase autônomo ao texto original. O elenco, com três atores de grande força e inteligência interpretativa, surpreendente pela sua extrema juventude, respira no tempo determinado pela interioridade dos personagens, em que longas e precisas pausas, letras de música e trechos de livro são ditos na mesma sintonia dos sentimentos que embutem. Desta forma, os atores alcançam com simplicidade, rigor e intensidade, atuações verdadeiramente contemporâneas para texto exemplar do realismo psicológico.
                                         Jogos e brincadeiras interativas para suavizar a crítica

Da Espanha, se apresentou duo performático com Diari d’ Accions, em que recortes com títulos de reportagens e artigos projetados em telas, servem de pretextos para cenas em que atores-performers-dançarinos comentam, ora suavemente crítica, ora ludicamente adolescente, um certo quadro politico-social europeu. Muito jovens, sem muita consistência em explorar a boa idéia inicial, Iñaki Alvarez e Pere Faura, no entanto, agradaram à plateia da mostra, conquistada pelo jogo e brincadeiras interativas. Num ano em que a programação do Fiac teve tão poucas atrações, Diari d’Acess é apenas um espetáculo festivaleiro que cumpre a função de completar a grade dos espetáculos. Entre os espetáculos da Bahia, Nunca Nade Sozinho, texto do canadense Daniel MacIvor, o mesmo de In on It e Cine-Monstro, com direção de Nadja Turenko é destaque, mais pela escolha de encenar fascinante aventura dramatúrgica, do que propriamente pelo que se assiste no palco. Ao decompor situação dramática em múltiplas possibilidades de a sentir e narrá-la, MacIvor oferece ao espectador a co-autoria do jogo descritivo, um puzzle desfeito a partir do todo. A diretora foi capaz de acrescentar à essencialidade da escrita do autor, elementos de efeitos supérfluos, como cenário e figurino de convenção deslocada, e movimentos de dança de código ilustrativo. Joelma, monólogo de Fábio Vidal foi buscar em cidade do interior da Bahia o percurso de transexual pela afirmação, pessoal e social para sua feminilização. Com video sobre a personagem real em contracena, Fábio atua como espelho das imagens projetadas, fazendo dos entrechoques de realidades vividas, material para construção da figura de palco. Por algum exibicionismo, o ator deixa escapar o que de melhor constrói como intérprete: a ritualização da imagem dramática. Participaram ainda da mostra, o grupo Lume de Campinas com a caudalosa montagem de Os Bem-Intencionados, que propõe a platéia o papel de “ ver aquilo que se quer ver” . E Ficção, do grupo Hiato de Sao Paulo, que através de relatos pessoais dos atores, estabelece área expressiva que revela zonas emocionais ficcionadas em cenas independentes.        
                                                  macksenr@gmail.com