quinta-feira, 17 de março de 2011

11ª Semana da Temporada 2011

Crítica/ Os Catecismos Segundo Carlos Zéfiro

À sombra dos folhetins eróticos
Quem se escondia atrás do pseudônimo de Carlos Zéfiro para desenhar as revistinhas que alimentavam os desejos emergentes de gerações de adolescentes à procura das revelações do sexo? A perseguição ao nome verdadeiro e à vida de quem produzia erotismo em quadrinhos, vendido clandestinamente, em bancas de jornal, é a trama em torno da qual se estabelece a narrativa de Os Catecismos Segundo Carlos Zéfiro, em cartaz no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil. Fiel à sua linha de trabalho voltada aos comics e à visualidade de gêneros ligados ao traço, o diretor e autor do texto, o curitibano Paulo Biscaia Filho, desvenda cenicamente esta identidade misteriosa, que o verdadeiro Zéfiro manteve praticamente oculta até quase ao fim da vida, no início dos anos 90. Partindo do depoimento do jornalista Juca Kfouri, que em 1991, então diretor de redação da revista Playboy, foi em busca de descobrir quem se escondia por trás daquelas histórias e desenhos tão explícitos em seus contornos. A identidade secreta de Alcides Caminha, o funcionário público travestido nos folhetins no sátiro Zéfiro, se desvenda na medida que o jornalista segue pistas, frágeis e enganosas, que o conduzam ao contraditório personagem. Biscaia transforma Kfouri em narrador que conduz a investigação, mantendo Caminha/Zéfiro o como uma sombra sem rosto. Evoluindo por entre o fulgor das cenas desenhadas e a pacata e dissimulada vida de barnabé, a presença dual entre esses mundos está refletida na montagem. O uso de projeções, marca estilística do diretor, garimpa alguns dos seus desenhos, e a linha interpretativa do elenco simula a correspondência com o risco das historietas. O cenário de Carla Berri, uma composição de telas adequadas às projeções  e os figurinos da cenógrafa, ao lado de Cristiane Conde, delimitam composição coerente e o espaço visual. Texto e direção têm indiscutível aspecto cativante, levemente moleque e desabusadamente safada. Clara Serejo é uma atraente figura no palco. Jandir Ferrari adota ar vivamente cafajeste. Leandro Daniel Colombo, Mariana Consoli e Martina Gallarza cumprem seus papéis. Marino Rocha se revela um bom comediante, enquanto Rafa de Martins é quase um “dançarino” na sua coreografia de disfarces.       


Crítica/ Instantâneos

Imagem de dourada geografia cultural
O que se pretende com esse espetáculo tão delicado e ingênuo é demonstrar a técnica das máscaras balinesas e a visualidade de um teatro que se quer expositivo e plasticamente envolvente. As pretensões da diretora Fabianna de Mello e Souza, que concebeu essa pequena jóia cênica foram amplamente alcançadas. Se a técnica em si foi bem apresentada – a diretora é quem melhor internaliza, corporal e tecnicamente, esse gênero de representação -, as adaptações para enquadramento mais próximo de nós, traduziu exemplarmente sutis observações “locais “. Teatro de imagens, com narrativas curtíssimas, apenas sugestões que os movimentos delineiam e explicam, os instantâneos atraem pela singeleza da ambientação. Fugindo da mero mimetismo da técnica, a diretora reveste de música típica e de dourados e cores contrastantes nos figurinos e no vigor e comicidade das máscaras de atraente geografia cultural. As divertidas referências ao nosso cotidiano, tão bem lançadas nas intervenções do camelô e nos velhinhos que ouvem o ambulante que vende cocadas, se estendem ao frustrado suicida e ao mar de tecido onde se joga o homem enamorado. O clima festivo do final e o arrebatamento que provoca na platéia do mezzanino do Espaço Sesc é prova de que o espetáculo conquista a platéia. Provoca o espontâneo e verdadeiro aplauso de pé.  


Crítica/ As Próximas Horas Serão Definitivas

Esta montagem que pode ser vista no Espaço Cultural Sérgio Porto é a 15ª peça de Daniela Pereira de Carvalho que chega ao palco. É sem dúvida um feito, levando em conta a trajetória da autora que soma pouco mais de uma década e meia de dramaturgia. As Próximas Horas Serão Definitivas, como é praxe nos textos de Daniela, também tem um título longo, vagamente poético, que usa citações a autores, bandas e livros, revestindo-as de embocadura pop, referenciada aos anos 80. Essas “fixações” talvez sejam questões geracionais, ressonâncias de universo próximo aos anos formadores. Com diálogos, às vezes ferinos, outras literários, mas sempre “nervosos”, a autora nesta investida se volta para inspiração algo cinematográfica na evasão on the road de um casal fugindo de crime revestido de pulsões aparentemente circunstanciais. Na viagem em fuga para lugar nenhum, somente em direção a si mesmos, como indivíduos ou como dupla, o casal vai desmontando a suas (in)certezas e se aproximando, em movimento inverso ao avanço do território físico, das fraturas do amor. O fato deflagrado, assassinato em razão de comentário banal, tem alcance dramático exageradamente esgarçado. O desdobramento deste ato, que modula atitudes contraditórias e confina o casal no seu próprio espaço existencial, se esvazia pela “falsa” explosão geradora. A cenografia assinada pelo também diretor Gilberto Gawronski amplia a área da representação, quebrando a ideia de confinamento e da falta de possibilidades de escape para os dois fugitivos. Essa ausência de adensamento espacial prejudica a atmosfera, diluída ainda mais pelos objetos cenográficos de significação óbvia, como as flores e as garrafas. Sacha Bali transmite, seja pelo sotaque, seja pelo gestual, composição identitária do rapaz. Há algo de naturalismo na sua tipologia social, que o ator projeta com veracidade. Guta Stresser alcança momentos de densidade interpretativa, superando até mesmo a dificuldade de dar realidade à personagem nas primeiras cenas. A atriz demonstra em vários outra força interpretativa que ilumina as transformações interiores da mulher nesta excursão emocional ao inferno compartilhado do casal. 


Cenas Curtas

Está aberta a temporada de entregas dos prêmios da temporada 2010. A 23ª edição do Prêmio Shell de Teatro do Rio de Janeiro acontece na terça-feira, dia 22 de março no Complexo Vitória do Jockey Club Brasileiro, este ano homenageando a atriz Nathalia Timberg. Entre os indicados para ator está Marco Nanini por Pterodátilos, para atriz Mariana Lima pelo mesmo espetáculo, que teve ainda a cenógrafa Daniela Thomas como finalista.

A versão paulista do Prêmio Shell foi entregue aos vencedores esta semana.
 A homenageada foi a atriz Maria Alice Vergueiro, com 50 anos de carreira, que em seu discurso de agradecimento ressaltou que “momentos assim nos fazem parar e fazer uma retrospectiva do que fizemos em nossas vidas e avaliar se valeu a pena.” Entre as montagens premiadas apenas As Três Velhas foi vista no Rio, que levou o troféu de ator (Luciano Chirolli).
     
A única premiação do teatro para crianças no Rio, o Prêmio Zilka Salaberry de Teatro Infantil, divulgará os vencedores em festa no dia 21 de março, segunda-feira, no Oi Casa Grande. Nesta quinta edição concorrem na categoria de melhor espetáculo, Marina, A Sereiazinha, O Barbeiro de Ervilha, O Soldadinho e a Bailarina e Os Saltimbancos.

O Prêmio APTR da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro referente a 2010, ainda está em processo seletivo, e sem data definida para a sua entrega. 


O que há (de melhor) para ver

Febril escrita até a insanidade
Um Coração Fraco Nesta adaptação de novela de Dostoiévski, o autor reúne em mansarda tristemente pobre um homem com insegurança sobre o seu lugar no mundo. Deficiente no físico e nas emoções, se empenha em tarefa que não consegue concluir, num febril processo até a loucura. A diretora Priscilla Rozenbaum demonstrou sensibilidade para o manuseio do material dramático, construindo atmosfera densa e poética. O ator  Caio Blat desenha com minúcias e detalhes a escalada surda em direção à insanidade, em atuação sutilmente filigranada. Teatro das Artes.   
  
In on It -  Este exercício de decomposição narrativa é uma gingana de descobertas, na qual a trama se transforma no sujeito oculto de uma investigação amargamente lúdica. Frio e distante na aparente racionalidade,  quente e pulsante no substrato da trama, a montagem de Enrique Diaz traduz esses contrastes com segurança. Fernando Eiras e Emílio de Mello mergulham nesta aventura narrativa com interpretações sensíveis. Teatro do Planetário.

Hair – A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermont, mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretative de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.

R&J  de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para grupo de alunos de colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos. Teatro Carlos Gomes.



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