Autor de “Tebas Land “(Teatro Sesi) e de “A ira
de Narciso” (Teatro Poeirinha), o
uruguaio Sergio Blanco explora nesses dois textos o que marca a sua
dramaturgia: mitos clássicos em contracena realista.
Crítica/ “Tebas
Land – A história de um jovem parricida”
Há na construção dramatúrgica de Sergio Blanco um
jogo narrativo que pretende interpenetrar estilos e tempos, vozes míticas e realidade
psicológica. Em um plano, está autor construindo espetáculo baseado na história
de um presidiário que assassinou o pai. Em outro, ambos se corporificam nos
personagens, em mútua envolvência emocional e nas incertezas sobre as razões do
ato violento. A dupla procura circularidade capaz de trazer o que se propõe referencial
(parricídio, formas mitológicas, científicas e literárias) à ação cênica (trama
dramática). Longe de ser embate de
contrários, a aproximação caracteriza o que cada um assinala como descoberta individual.
Inserção de citações, excessivas e pretensiosas, apoiam imagens (literárias e
visuais) que buscam impacto, mas sem maior contundência. A dinâmica dramática,
de contornos veristas, concentra no confinamento da cela a sustentação realista
da ação física. Victor Garcia Peralta se mostra mais à vontade no segmento
realista. Com cenografia dualista (espaço lateral e cela) de José Baltazar e interpretações
divisionistas do elenco (naturalistas de um lado, distanciada de outro), o
diretor investe com mais facilidade nas cenas em que autor e prisioneiro
constroem seus laços dúbios. A investida em aproximar ator da plateia e de expandir,
através de projeções, a didática da narrativa, não encontra ressonância no
artificialismo da representação desses movimentos. Os atores - Otto Jr. e
Robson Torini – ficam neste fogo cruzado, com diferentes cargas de artilharia,
em desvios do alvo. Otto Jr. assume a função de narrar e comentar, prejudicado
pela espontaneidade expositiva. Robson Torini realiza melhor a passagem na
composição do prisioneiro.
Crítica/ “A ira
de Narciso”
Neste texto, Sergio Blanco mantém-se fiel à sua
dramaturgia, revisando apenas a contextura formal. O intelectual uruguaio, que
vive na França, é convidado para conferência na Eslovênia, hospedando em quarto
de hotel, onde detecta manchas de sangue e encontra parceiro para sexo ocasional.
Os desdobramentos dessa estadia, ela mesma um exercício de percepção de identidades,
reflete, em cada ação, as possibilidades de ser outros. “Je est un autre”, numa
citação de Rimbaud. O ator assume
similaridade com o autor para penetrar no personagem em cena, que também é o
ator e o autor, para representar relato, que nega ser monólogo, solo ou
solilóquio. Confuso, talvez. Ambicioso, sem dúvida. Vivencial, certamente. São planos narrativos
que se interpõem como palavra corrente, seja na conferência, na trama
policialesca no hotel, e nos processos criativos. Todos convergem, em
dissonâncias verbais, para evocação do mito, que se misturam a comentários políticos
e acadêmicos, a sexo e arqueologia, numa vertigem de alusões a filósofos (Deleuze
e Heidegger), produtos (Coca Cola) e busca da alteridade. A diretora Yara de
Novaes acondiciona em estrutura performática as diversas vozes contidas na torrente
da locução. Não se procura o dramático, que se infiltra apenas naquilo que se
configura como narrativa temporal. Yara confronta o texto na projeção de sua
inteireza, levando o ator a descarnar as palavras, evitando atribuir-lhes
intenções. O intérprete é levado a aderir, frontalmente, ao que diz, com gestos
contidos, nudez exibida, vocalização fria, à procura de alcançar a abrangência
de tantas indicações. A presença, silenciosa e fugidia de um misterioso duplo
(Renato Krueger), revela-se pouco mais do que contra-rega atuante. O cenário de
André Cortez, que distribui no espaço cênico caixas de som, que abrigam algumas
miniaturas, contradiz com esse minimalismo, a nada detalhista concepção da
montagem. Gilberto Gawronski assume, com
a força do empenho e a destreza da manipulação vocal, a pluralidade dos
significados da palavra em Sergio Blanco.