Crítica/ “O que é
que ele tem"
Exercício da maternidade confrontada com a imprevisibilidade |
Com a reestreia de “O que é que ele tem”, no Teatro Maison de France, está
aberta a temporada 2019, apontando para o
prosseguimento da epidemia de monólogos na cena carioca. Mais uma vez, um ator
(neste caso, a atriz Louise Cardoso), um livro (de Olívia Byington), uma
adaptação (de Renata Mizrahi), cenário e direção discretos (de Natália Lana e
Fernando Philbert), e produção enxuta compõem o quadro de um gênero que se
consolida na razão direta das dificuldades de pensar e fazer teatro no atual momento.
A montagem atende a todos os requisitos que condicionam o monólogo, e se apoia
na emotividade que o material livresco pode proporcionar. O relato de uma mãe
que é confrontada pelo nascimento de um filho com síndrome que provoca graves entraves
à sobrevivência e difíceis obstáculos de aceitação na vida social, avança para
além da descrição de fatos ou de cronologias. Olívia Byington se descreve, não
só no exercício de uma maternidade interferida na sua previsibilidade afetiva,
como nos difíceis confrontos com sentimentos, dolorosamente exigidos. Num
depoimento, sincero, frontal, corajoso, sempre amoroso, a mãe de 22 anos com um
bebê lutando para existir, inicia o percurso de vida e morte para estabelecer
laços entre aqueles que sabem, o intuem, que estão entranhados, um ao outro, em
continuidade de si mesmos. A encenação, como o livro, não apela para
sentimentalismos ou facilidades, mas faz da narração, balanceada por grandes
dores e pequenas alegrias, projeção de inescapável determinismo. A direção, com
discreta presença, equilibra a escala emocional que o texto propõe em fluxo
suave. A cenografia, que se assemelha mais a um décor , acompanha com efeito onírico, a suavidade com que o
conjunto é construído. Para além da iluminação filtrada de Vilmar Olos, do
figurino cotidiano de Rita Murtinho, da trilha sonora sentimental de Marcelo
Alonso Neves, e as projeções cênicas e o eficiente videografismo de Rico e
Renato Vilarouca, a direção de movimento de Marcia Rubin confere um sopro de
gestos ao que poderia se tornar estático. Lousie Cardoso marca com compasso de
delicadeza as batidas fortes do desabafo e com a voz ritmada de uma sina, a
trajetória simbiótica de uma relação.