segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Temporada 2019


Crítica/ “O que é que ele tem"

Exercício da maternidade confrontada com a imprevisibilidade 

Com a reestreia de “O que é que ele tem”, no Teatro Maison de France, está
aberta a temporada 2019, apontando para o prosseguimento da epidemia de monólogos na cena carioca. Mais uma vez, um ator (neste caso, a atriz Louise Cardoso), um livro (de Olívia Byington), uma adaptação (de Renata Mizrahi), cenário e direção discretos (de Natália Lana e Fernando Philbert), e produção enxuta compõem o quadro de um gênero que se consolida na razão direta das dificuldades de pensar e fazer teatro no atual momento. A montagem atende a todos os requisitos que condicionam o monólogo, e se apoia na emotividade que o material livresco pode proporcionar. O relato de uma mãe que é confrontada pelo nascimento de um filho com síndrome que provoca graves entraves à sobrevivência e difíceis obstáculos de aceitação na vida social, avança para além da descrição de fatos ou de cronologias. Olívia Byington se descreve, não só no exercício de uma maternidade interferida na sua previsibilidade afetiva, como nos difíceis confrontos com sentimentos, dolorosamente exigidos. Num depoimento, sincero, frontal, corajoso, sempre amoroso, a mãe de 22 anos com um bebê lutando para existir, inicia o percurso de vida e morte para estabelecer laços entre aqueles que sabem, o intuem, que estão entranhados, um ao outro, em continuidade de si mesmos. A encenação, como o livro, não apela para sentimentalismos ou facilidades, mas faz da narração, balanceada por grandes dores e pequenas alegrias, projeção de inescapável determinismo. A direção, com discreta presença, equilibra a escala emocional que o texto propõe em fluxo suave. A cenografia, que se assemelha mais a um décor , acompanha com efeito onírico, a suavidade com que o conjunto é construído. Para além da iluminação filtrada de Vilmar Olos, do figurino cotidiano de Rita Murtinho, da trilha sonora sentimental de Marcelo Alonso Neves, e as projeções cênicas e o eficiente videografismo de Rico e Renato Vilarouca, a direção de movimento de Marcia Rubin confere um sopro de gestos ao que poderia se tornar estático. Lousie Cardoso marca com compasso de delicadeza as batidas fortes do desabafo e com a voz ritmada de uma sina, a trajetória simbiótica de uma relação.