terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Temporada 2019


Crítica/ “As crianças"
No jogo nada infantil de finitudes
O casal de cientistas aposentado, vivendo numa região assolada por acidente nuclear, recebe a visita de uma amiga, ela também cientista, depois de décadas de afastamento. O reencontro, estranho e cheio de lacunas, evolui com a vulnerabilidade, física e emocional, do trio, que evoca o passado de ressentimentos e dubiedades, tateando o futuro com data marcada para o fim. O texto da inglesa Lucy Kirkwood, em cena no Teatro Poeira, segue a linhagem da dramaturgia do seu conterrâneo Harold Pinter, na correspondência com que retira do substrato do realismo, a essência da linguagem. A narrativa descreve situações que podem justificar o comportamento dos personagens, mas que nem sempre os conduzem ao que, aparentemente, é seu desdobramento. A ameaça nuclear ronda a vida de pessoas, indiretamente responsáveis pelo desastre científico. Em contraponto, são elas mesmas vítimas de enganos na sua existência, doentes na escolha terminal do que ainda há para viver. O título, intrigante a princípio, revela-se metáfora do tempo no significado de sua passagem, na reiteração do seu prolongamento e na inexorabilidade da sua finitude, ao menos para nós, humanos. O diretor Rodrigo Portella redimensiona a progressão cênica no espaço abstrato, construído com imagens que sugerem e palavras que predizem. As rubricas são anunciadas, quebrando a ação e quaisquer conotações realistas. A cenografia delimita a área do jogo teatral como um playground recoberto de pedras e de mobiliário básico em que sobressai um cavalinho de balanço. Há na montagem acomodação, de suave perversidade, entre diálogos subtendidos e situações dissonantes, ampliando a circulação desses planos em movimentos instigantes (chupar pirulitos, segurar uma bola de gás) e em ritmo marcado por pausas e silêncios. Portella determina a pulsação dramática no encontro de uma poética da finitude com o tensionamento de conflitos subjetivos. Límpida, sem ênfases (a exceção é o final em crescente arrebatamento), a encenação sincroniza a trilha original de Marcelo H e Frederico com a iluminação de Paulo Cesar Medeiros. A preparação corporal de Marcelo Aquino resulta na recriação de vagos gestos infantis. Texto de ator, no rastro das interpretações no teatro inglês, “As crianças” oferece ao elenco a oportunidade de estabelecer contracena em tríade, sem destaques ou protagonismos. O que prevalece é o conjunto, e de como as peças se movimentam no tabuleiro unificador. E Stella Freitas, Analu Prestes e Mario Borges jogam como grupo coeso, numa frente única de atuações com passes precisos.