Crítica/ “Antes
que a definitiva noite se espalhe em latinoamerica"
Em 2013, quando Felipe Hirsch apresentou “Puzzle”
na Feira do Livro de Frankfurt, quebra-cabeças teatral que contrastava,
criticamente, autores brasileiros com a
crueza da realidade nacional, o diretor
carioca de formação curitibana, subverteu sua linguagem cênica. Aquele que
deveria ser um espetáculo de exaltação da literatura brasileira, homenageada na
feira, provocaria contundentes reações, não só pela exposição na íntegra de escritos
de matizes fortes, como no formalismo de atores enredados em estilos, corpos,
vozes e tinta. Três anos depois, Hirsch volta à mesma linguagem em “A tragédia
e a comédia latino-americana”, ampliando o espectro geográfico, mantendo a
proposta estilística. Em “Antes que a definitiva noite se espalhe em
latinoamerica”, cartaz do Oi Futuro, é possível, se considerado como sequência,
que o diretor tenha consolidado aquilo que há seis anos foi definido como “um
tríptico fulminante”. Mas hoje, parecerá a repetição de fórmula cênica, que se
esgarçou no tempo e não se redimensionou no espaço, cristalizando os meios,
provocadores e impactantes, da origem. O que foi dramaturgia cênica, transformou-se
em sistema redundante. O que era força teatral para além do ineditismo e
originalidade, se confunde com maneirismo normativo. A estrutura se mantém com
a seleção de autores da região do título, que inclui os brasileiros André
Dhmaer, Nuno Ramos e Felipe Hirsch, os chilenos Guillermo Calderón e Manuela
Infante e os argentinos Pablo Katchadjan e Rafael Spregelburd. Escritos
especialmente para esta encenação e distribuídos por gêneros diversos – crônica,
fábula, monólogo, esquete -, pouco sensíveis à customização de palco. O que os
une é visão panorâmica da existência, artística, política, social, num
continente de exclusões, negativas e alienações. Alguns tocam com ironia nesse
embate de contradições. Outros, adotam, como desabafo, o confronto com a
complexidade do universo retratado. As desconexões textos-cena ficam ampliadas
no tratamento que o diretor atribui a cada um os quadros. Na primeira cena, em
que a arte mostra os seus dentes cariados pelo desprezo, a relação de criadores
citados e a sobrecarga referencial não apagam as fagulhas de humor. Já nas seguintes, no monólogo da atriz em crise
de identidade ou na fabulação sobre a investida de matadores a um poeta, e
ainda de uma brasilidade sangrenta, de choque de mentira e verdade e de
assassinato da sexualidade, tanta diversificação significa apenas falta de rumo.
O diretor, em meio a débeis estímulos textuais, tem dificuldades em encaminhar
sua construção teatral, encontrando soluções que se confundem com escolhas
aleatórias. O convite à plateia para se transferir para o palco é tão
dispensável na melhor comunicabilidade de uma fábula confusa de raiz. Um ator
nu não encobre o que ressoa melhor no silêncio da leitura. Os desencontros se
transferem para a cenografia, que não provoca a sensação, talvez pretendida, de
instabilidade. O elenco demonstra um tour
de force interpretativo, com atuações que vencem, muitas delas, a aridez do
que enfrentam. Debora Bloch numa chave de humor inteligente, dribla a dureza de
textos pouco maleáveis à sua destreza técnica de atriz. Guilherme Weber leva
com segurança vocal e exposição corajosa as propostas da direção. Renata Gaspar
demonstra, quando tem maior oportunidade,
a sua disponibilidade para a comédia. Jefferson Schroeder ainda está
inseguro diante de exigentes intervenções. Nely Coelho e Blackyva estão deslocados
do contexto.