A escalada de monólogos na temporada carioca
continua em avassalador movimento ascendente. Dois exemplares, importados de
São Paulo, – “A próxima estação – Um espetáculo para ler” (Sesc Copacabana) e
“O espelho” Poerinha) – confirmam tendência de apropriação do gênero para contornar
problemas extra e intra palco.
Crítica/ “A
próxima estação – Um espetáculo para ler”
São 70 minutos de leitura de um texto italiano que
percorre a convivência de um casal, de 2015 aos sinais do fim, 50 anos depois.
Uma tela no centro do espaço, projeta, com humor um tanto cruel, comentário
visual sobre a passagem do tempo, flagrando o presente, projetando o futuro. Ao
lado, o ator deposita o texto que lê numa estante, em coordenada sequência com
a projeção, e apoio secundário de legendas e música. E assim, está posto em
cena “um espetáculo para ler”. Não se discute se é, efetivamente, um
espetáculo. Ele se prova na realização de seus condicionantes (ator, cenário,
sonorização, iluminação), mas se contradiz na base de sua premissa (leitura
expositiva). O que leva um ator a encontrar num escrito (conto?, esquete
ilustrado?) possibilidades de abertura cênica para material não mais que
curioso? O teor do que se extrai da narrativa, poderia provocar o imaginário da
plateia pelo caráter identitário das vivências do casal, engolfados pelas
transformações que o cercam e o atingem. É possível que o consiga, mesmo que a
evolução do tempo se confunda com a previsibilidade “dramática” de suas
consequências. O formato de monólogo, em si um elemento inibidor da expansão dos
meios expressivos, acaba por concentrar no ator, o veículo dominante, relembrando
o exibicionismo de antigos intérpretes.
Ao restringir à leitura o que já está sobrecarregado de individualização,
“A próxima estação” fica estrangulada pelos seus padrões formadores. Cacá
Carvalho mergulha na sua escolha com aparente prudência de quem está
experimentando, apalpando limites ou criando alternativas. Como ator
experiente, busca atuação com pouca modulação, em convívio azeitado com as
projeções, que mostram melhor aquilo que é dito.
Crítica/ “Espelhos”
A leitura: exibição de estilos |
O monólogo do ator Ney Piacentini reflete na duplicidade
da escolha de contos de Machado de Assis e Guimarães Rosa a unidade de
transpor, cenicamente, o literário. Ambos com o mesmo título, de épocas e
autores bem diversos, o material de que trata cada um deles, projeta para além
da refração apontada pelo título. É da essência de se reconhecer, ou não, de
que é feita a matéria do personagem machadiano, em que sua imagem deixou de ser
refletida no espelho. De Rosa, as camadas que encobrem a essência, precisam ser
vencidas para tentar chegar ao âmago. São produções literárias de tempos e
embocaduras diversas, reunidas nesse monólogo-recital, que estabelece linha do
tempo “dramática” no tratamento de ambas. O ator, centro absoluto, é provocado
a encenar palavras tão carregadas de subjetividade, na primeira parte, enquadrado
na aura de um sarau. E ao se aproximar
da projeção física, na segunda parte, duela melhor com a fala teatralizada.
Apesar dos tratamentos contrastados, permanece a convenção de um intérprete
diante da literatura, em empenhada tentativa de ultrapassar a tentação de supra-encenar
a palavra para encontrar a mesma intimidade do ato de ler. A montagem fica
restrita ao acerto, de estilos e épocas, evitando impor-lhes falso invólucro
autônomo. Ney Piacentini colabora, fortemente, para que os eventuais atritos de
acomodação, se atenuem. Com sua inteligência interpretativa e impostação
reflexiva sobre o ato teatral, o ator maneja o convencionalismo da forma com a habilidade da razão.