quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Temporada 2018

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (7/2/2018)

Crítica/ “Pressa”
Muitas situações em busca de edição

A pressa, de que fala o título do texto de Otávio Martins, não é aquela da urgência, mas do imediatismo da afobação. São situações que se interligam pela necessidade de resolver conflitos provocados pela hipocrisia de cada um dos personagens. Para conseguir o dinheiro para o aborto, consequência de relação quase casual, a solução é prostituir-se. A pregação religiosa encobre vivência em sentido contrário aos preceitos anunciados, e traições levam a assassinato, dissimulações e histeria. Ao precipitar a ação em narrativa fracionada e ativar diálogos em vozes rápidas, o autor transforma entrecho   em esboço e cenas em flashes superficiais de alcance restrito. Da dramaturgia realista em que patina, “Pressa” retira a mesma inspiração de capítulos de folhetins, que se socorrem de ganchos para segurar o interesse do espectador. O que acontecerá em seguida? Qual o destino da mulher traída e do jovem de programa? E o que acontecerá com a grávida? Haverá redenção para alguns? Acreditando na expectativa que possa vir a provocar, Otávio Martins demonstra firmeza nos cortes, mas hesitação na edição final. A direção compartilhada por João Fonseca e Nello Marreze parece se unificar na ideia comum de um palco despido (apenas uma cortina retorcida de fundo e algumas cadeiras nas laterais) e movimentação nervosa do elenco. A dupla, a exemplo da premência da autoria, agita a encenação em ritmo que escapa da contenção e do rigor. No entra e sai de atores que obedecem a marcas repetitivas, resta pouco espaço à cenarização de algum estilo, seja de melodrama, série de televisão, e até mesmo de vaga referência ao teatro de Nelson Rodrigues. O elenco – Isley Clare, Diogo Camargos, Rafael Coimbra, Mariah Viamonte, Alexandre Pinheiro, Paula Sandroni, Roberto Lobo, Rose Abdallah, Thiago Marinho, João Fonseca e Thais Portinho – forma grupo empenhado em projetar material dramático irregular, e ainda assim deixa entrever uma certa renovação de atores na Cia. Fodidos Privilegiados. O maior destaque do espetáculo está, exatamente, no reagrupamento da companhia, ainda que modesto e sem as ousadias que registra no repertório do passado, mas sinal, tímido, de que estão privilegiando uma volta em meio a tantas dificuldades.