Crítica do Segundo Caderno de O Globo (25/8/2017)
Crítica/ “As criadas”
Madame é o
alvo fatal das irmãs que a servem. Criadas de quarto, reproduzem em
gestos e vozes a prepotência da patroa em ritual que se reveste em mudança de
papéis e sinais trocados de representações sociais. Submetidas ao poder de
quem as humilha, assumem as atitudes daquela que pretendem
eliminar, mas sem antes vestirem de rancor vingativo, a imagem manipulada
de irresistível atração. Ao mesmo tempo que constroem traços da mulher que
ocupa posição que lhes é vetada, tomam para si, ainda que provisória e
solenemente, o lugar subtraído. Jean Genet, que escreveu “As criadas”
no final da década de 1940, inscreve Claire e Solange na sua galeria de
personagens excluídos da sua humanidade, que espelham maldições do fascínio e
deformação das fantasias. Na melhor tradição teatral francesa, “Les
bonnes, no original, se estrutura na palavra, como dramática, e nos
diálogos intensos, como mediação cênica. A ação está na oralidade e na força
como expressa evocações e desejos subterrâneos. O diretor Eduardo Tolentino de
Araújo, seguindo a linha, sem desvios, da trajetória do Grupo Tapa, sustenta a
encenação na palavra, ainda mais valorizada do que no peso atribuído pelo
autor. A montagem não é feita do embate, mas de vozes que circunscrevem
territórios emocionais à procura de se deixar ouvir na projeção de seu
entendimento. Apaziguada na fúria das suas motivações e amenizada a crueldade
do cerimonial, a direção cumpre rubricas de boa dicção, distante da atmosfera
doentia e marginal do universo de Genet, para se mostrar abstrata e discursiva.
A concepção visual, cenário e figurino, de Marcela Donato, um tanto dispersa
com sua escada móvel e planejamentos largos, contribui com maior descompasso na
tensão do conflito original. A luz de Nelson Ferreira reforça a ambientação
pálida. Clara Carvalho articula com alguma modulação interpretativa, as contradições
da personagem, ao empresta-lhe nuances e relativa complexidade. Mariana Muniz
contraída na tentativa da correta locução do texto, perde a possibilidade de
responder à contracena. Emília Rey, apesar da marca imposta na sua entrada em
cena, e no discutível figurino, incorpora a futilidade cruel e a vileza social
da Madame.