Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (31/5/2017)
Crítica/ “Ocupação
Marcelino Freire"
A “Ocupação Marcelino Freire – Palavra amassada
entre os dentes”, que reúne três montagens de obras do autor pernambucano,
demonstra o interesse de construir uma cena socialmente intervencionista,
usando linguagem para rimar miséria e violência, preconceito e desigualdade. Com
abordagens diferentes para seleção de contos de uma mesma perspectiva
literária, os diretores investem em teatralidade de vozes ampliadas e imagens em
borrões. Na transposição, mantém-se a ferocidade de origem, buscando frontalidade crítica que evidencie realidades
em decomposição.
"Balé ralé" |
Em “Balé ralé”, concepção e direção de Fabiano de Freitas, os contos do livro original, são ambientados em uma cabaré espelhado, refletindo os escaninhos de uma marginalidade sem expressão. Nos rodopios de corpos e mentes na arena em que a maternidade revê seus atributos, e a filiação, seu abuso, tantos outros falam de movimentos que os conduzem a lugares contrários ao silêncio. O diretor ampliou o espaço da dissonância, jogando para a plateia palavras e gestos que a confronte com suas próprias reações. Na provocação controlada por cenografia de Pedro Paulo de Souza e Evee Ávila, iluminação de Renato Machado, figurino de Luiza Fardini e direção de movimento de Marcia Rubim, ressalta um bom acabamento que apoia as vigorosas intervenções do elenco. Os atores – Blackyva, Leonardo Corajo, Mauricio Lima, Samuel Paes de Luna e, em destaque, Vilma Melo – dimensionam a intensidade do que poderia ser interpretado como a reinvindicação pelo grito.
"Contos negreiros do Brasil" |
“Contos negreiros do Brasil”, com direção de Fernando Philbert, é
um documento sobre variadas faces da questão do negro, que Marcelino aborda
através dos papéis sociais que lhes são impostos. Além dos atores Li Borges e
Milton Filho, está em cena o sociólogo Rodrigo França, que apresenta dados
estatísticos das vivências expostas pelos personagens. Excessivamente didática,
com interferências constantes e quebra de ritmo, a narrativa esvazia o
significado de alguns depoimentos, até mesmo dos três atores, que perdem a
espontaneidade e o tom sincero. A fixação de números e informações escritas em
quadro acentua o tom escolar que a direção mantém como centro da cena. A
descrição de atitudes e comportamentos que sustentam preconceitos e atos
violentos, que alguns dos contos capturam com a veemência da repulsa, ficam
submersos no mar da contabilidade.
"Um sol de muito tempo" |
“Um sol de muito tempo”, contos sobre a
velhice, com direção de Cadu Cinelli e interpretação de Wilson Belém, é o mais
modesto dos espetáculos desta ocupação. Com menos volume de produção e menor visão
exploratória, esse monólogo se sustenta na habilidade do ator em se desdobrar
em histórias próximas ao picaresco. Mas Wilson Belém alonga as trocas de
figurino e as pausas entre os seis contos, revelando maior vontade de dizer, do
que propriamente de comunicar o que diz.