quarta-feira, 3 de maio de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (3/5/2017)

Crítica/ “Quando ia me esquecendo de você”
Amigas em visitação ao passado

A origem é o romance de mesmo título da adaptação teatral, mas no transporte de um meio a outro ficaram muitas intenções e significados pelo caminho. Amigas de infância, Carla e Ana estão distantes há dez anos, e se aproximam quando as lembranças e a doença reativam a amizade. Ao receber caixas com o diário de Ana, Carla deixa  filhos e trabalho doméstico para ir ao encontro da doente sedada no hospital, em busca de desvendar o passado comum e situar o presente. As personalidades antagônicas e os desejos amorosos compartilhados, movem a dupla, desde a infância escolar ao afastamento silencioso de uma década. Os papéis femininos de cada uma são desempenhados em oposição a geração de mulheres castradoras e com estresse das funções maternas e profissionais. Em quadro de sentimentos em ebulição, Maria Silvia Camargo, autora do livro e da dramaturgia, captura dois temperamentos de mulheres em estado bruto e diferenças maniqueístas.  Na literatura, o formato epistolar envolve a narrativa em mistério e revelações, que na versão teatral fica restrita à evolução de uma história factual. Há pontos vagos e fios desalinhados na costura da ação descritiva das personagens no palco, que perdem suas vivências, melhor alinhavadas no livro. A direção de Diego Molina insiste em dinamizar a trama confusa, a pretexto de equalizar o ritmo e ordenar os perfis. Não ajusta o compasso, e deixa ainda mais esquemático, o que se imaginava revelador. O cenário de Ronald Teixeira e Guilherme Reis acomoda, sem muita invenção, os distintos ambientes. Os figurinos de Bruno Perlatto e Jackson Tinoco são um tanto intrigantes e injustificáveis na superposição de roupas. Os papéis masculinos, secundários e menos desenvolvidos, são defendidos pela naturalidade de Rodolfo Mesquita, e a discrição de Ricardo Gonçalves. Sandra Pêra compõe a mãe com a afetação de uma granfina de esquete. Renata Paschoal suaviza o temperamento conflituoso de Ana, e Veronica Rocha amplia a tensão de Carla.