sábado, 13 de maio de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (13/5/2017)

Crítica/ “ELA”
Luz sobre pronome e sigla 


“ELA” no texto de Marcia Zanelatto não significa apenas um pronome escrito em letras maiúsculas. É também a sigla da esclerose lateral amiotrófica que ataca uma das três mulheres que se defrontam com a grandeza de doença degenerativa em suas vidas minúsculas. Clara e Isabel têm relação estável, projetam um filho, até que a médica Paula detecta a doença que avança em devastação inexorável dos sentidos. A percepção das perdas, que Clara sente em seu corpo e reverbera nos sentimentos da sua mente intocada, e com que convive Isabel com seu afeto em frangalhos, estabelece comunhão de lembranças entre elas. A autora tratou dessa subtração progressiva de corpos e almas com inversões de tempo e de expectativas, criando narrativa em que o fim se demonstra logo de início, e a emoção está na centro do que, aparentemente, seria da doença. A estrutura simples mas bem construída é decomposta de cenas em que fluxos de pensamento se completam com diálogos correntes em balanço dramático equilibrado. Mais do que envolvente, a ação é condutora de vivências declinantes que refazem laços com nós amorosos. Paulo Verlings apontou com a sua montagem para a mesmo e certeiro alvo de Marcia Zanelatto. Vigorosas e melancólicas, emotivas e suaves, as diversas atmosferas que impulsionam as personagens são recriadas pelo diretor com despojamento de meios em transcrição essencial. O espetáculo tem a frontalidade de expor e de provocar reações como esboços de lágrima ou de sorriso. O ambiente da dança, que contrasta com a paralisação do gesto e da fala, é desenhado como metáfora na direção de movimento de Lavinia Bizzotto, que contribui para a concepção coreografada das cenas. A cenografia simplificada de Mina Quental e Atelier na Glória, ganha projeção com a luz Fernanda e Tiago Mantovani. Elizabeth Monteiro demonstra nos monólogos em que toca a interioridade de Clara o melhor da sua interpretação. A Patrícia Elizardo, como a médica, cabe o papel, bem desempenhado, de contrapeso a climas mais densos. Carolina Pismel aproveita com atuação, forte e nuançada, quando Isabel explode em imprecação contra a injustiça divina.