quarta-feira, 8 de março de 2017

Temporada 2017

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (8/3/2017)

Crítica/ “Morte acidental de um anarquista”
Como enfrentar com humor as artimanhas dos poderes

O diretor Hugo Coelho propõe uma revisão na dramaturgia de Dario Fo para estabelecer maior comunicabilidade com a plateia. Procura nacionalizar referências e enxugar a trama para deixa-la solta ao improviso e leve para refazer o tom de sua crítica. Desde o prólogo, quando os atores recebem, cantando, os espectadores e um músico anuncia com curiosos sinais sonoros o início do espetáculo, não ficam dúvidas de que a narrativa do autor italiano terá tratamento menos convencional. O entrecho é apresentado em poucos minutos, sem muito detalhamento. A história verídica do homem acusado no final da década de 1960 de lançar bombas em atentado em Milão, é interrogado pelo polícia e teria, supostamente, se atirado da janela da delegacia. Em conversa direta com o público, Dan Stulbach, que interpreta um louco que assume vários papéis, segundo as conveniências da investigação, recolhe sugestões dos espectadores que vai incorporar à ação. Com fidelidade às avessas ao espírito anárquico de bufonaria social e de comédia política do teatro de Dario Fo, esta versão abrasileirada valoriza a brincadeira estilística de vaudeville-chanchada com a commedia dell’arte-stand-up. Neste caudal de estilos, as intenções do autor permanecem na superfície do efeito cômico, se distanciando da exposição original  do humor corrosivo. A direção leva a montagem ao limite do puro entretenimento, alcançando a quem assiste por se sentir integrado, participando da ação e identificando-se pelo riso descompromissado. A sonoplastia de Rodrigo Geribello contribui com imitações vocais para o clima brincalhão. A  simplicidade da cenografia de Marco Lima e do figurino de Fause Haten confirma o despojamento visual de espetáculo, centrado em um único ator. Por mais que Henrique Stroeter participe, no início, de um papo com o público, e que faça do delegado uma figura próxima do clown, sua participação acaba por se diluir. Riba Carlovich e Marcelo Castro respondem com maior soltura do que Maira Chasseraux,  às provocações e improvisos do louco. E está na exploração irrequieta da loucura farsesca que Dan Stulbach ganha a cena, com múltiplas máscaras, piscadelas irônicas e gestos largos.