quarta-feira, 1 de março de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (1/3/2017)

Crítica/ “Fluxorama”
O cotidiano interrompido por um acidente  


Os textos curtos de Jô Bilac reunidos em “Fluxorama” seguem o curso descontínuo das tramas do autor. Neste quarteto de movimentos em torno de musicalidade existencial contemporânea, o fluir das vidas expostas está emperrado por contrastes da ação com as vontades. Em “Amanda”, uma mulher é soterrada pelas próprias palavras, que a engolem na medida em que perde cada um dos sentidos. Em “Luiz Guilherme”, um homem preso nas ferragens do carro, depois de grave acidente, contrapõe tarefas cotidianas à iminência da morte. Em “Valquíria, a maratonista reafirma, à beira da exaustão, a necessidade de se manter competitiva consigo mesma. E em “Medusa”, um estressado tenta alguma pausa em seu descontrolado ritmo para iniciar meditação. São personagens que Jô Bilac situa em mundos partidos, aos quais não se sentem integrados, ainda que se esforcem para responder a sua insana corrente. Vivências reativas, encalhadas na maré de exigências falsas, procuram conquistar o pouco domínio do que resta das individualidades. Nem todos os pequenos monólogos se sustentam como desenho dramático (do acidente de carro) e alcançam densidade narrativa (da meditação). A facilidade com que o autor reduz a palavra a sonoridade verborrágica, enfraquece o impulso de seu sentido original. Monique Gardenberg reveste a montagem de enquadramento sofisticado e de interpretações afinadas. A diretora, uma vez mais, encontra a identidade visual da cena na dupla Daniela Thomas e Felipe Tassara. Com projeções de ambientes-molduras de quadros vivos, a cenografia, além da iluminação precisa, assinada por Monique, cria efeitos desconcertantes e imagens hiper-realistas. A música de Philip Glass sonoriza a solidão seriada. Deborah Evelyn percorre, em atuação de sutil ironia, as sucessivas quebras do olhar, da escuta e do olfato. Luiz Henrique Nogueira não ultrapassa o plano expositivo do acidentado um pouco antes da morte. Marjorie Estiano, com consistente preparo físico, fica solta para correr a maratona sem finalidade. Emílio de Mello é engolido pelo excesso palavroso do postulante à meditação.